Aguarelas Finas, Le Corbusier | Maison La Roche, Paris

24 dezembro 2013

Alegria e Mágoa


Agora que sabemos o que são os sentimentos, é altura de perguntar: para que servem?
Como se constroem a alegria e a mágoa? Que representam?
A alegria e a mágoa começam com a apresentação de um estímulo emocionalmente competente. (...)

Os sentimentos são, em suma, as manifestações mentais do equilíbrio e da harmonia, da desarmonia ou do desacordo. (…) Referem-se mais imediatamente à harmonia e ao desacordo que acontecem no interior da carne. A alegria e a mágoa, bem como os sentimentos que se relacionam com elas, são primariamente ideias do corpo no processo de obter estados de sobrevida óptimos.

in: Ao Encontro de Espinosa, de António Damásio, p. 151 a 154.

11 dezembro 2013

Uma coisa curiosa … | António Damásio

Gostava ainda de chamar a atenção para uma coisa curiosa e também cronicamente esquecida: os sensores nervosos que transmitem informações do corpo para o cérebro e os núcleos e feixes nervosos que mapeiam essa informação são, eles próprios, feitos de células vivas, sujeitos ao mesmo risco de vida de qualquer outra célula, e precisam, também eles, de regulação homeostática. Estas células nervosas não são observadores passivos e imparciais. Não são espelhos inocentes à espera de reflectir o que quer que seja, ou ardósias limpas à espera de que alguém nelas inscreva uma fórmula mágica. Os neurónios encarregados de sinalizar e mapear têm qualquer coisa a dizer no que toca àquilo que sinalizam e mapeiam. É evidente que as atividades do corpo dão uma certa forma ao mapa, lhe conferem uma certa intensidade e perfil temporal, e contribuem no seu conjunto para aquilo que sentimos. Mas uma certa parte da qualidade daquilo que sentimos depende, provavelmente, do desenho íntimo dos próprios neurónios. A qualidade daquilo que sentimos depende, provavelmente, do "meio" (medium) em que são instanciados. (…)
Em conclusão, os sentimentos baseiam-se em representações integradas do estado da vida a par e passo com os ajustamentos necessários para que esse estado seja compatível com a sobrevida. Aquilo que sentimos tem, portanto, a ver com o seguinte:
1. O desenho íntimo do processo da vida num organismo multicelular com um cérebro complexo.
2. As operações do processo da vida.
3. As reacções correctivas que certos estados da vida provocam automaticamente, e as reacções inatas e adquiridas que os organismos desencadeiam quando certos objectos e situações são mapeados nos seus cérebros.
4. O facto de que, quando se desencadeiam as reacções regulatórias, o fluir da vida se torna mais eficiente ou, pelo contrário, menos eficiente.
5. A natureza do medium neural no qual todas estas estruturas e processos são mapeados.
Várias vezes me tem sido perguntado se estas ideias podem explicar a negatividade ou positividade dos sentimentos, sendo a implicação da pergunta que o sinal positivo dos sentimentos não pode ser explicado. Discordo dessa posição. Há estados do organismo em que a regulação da vida se torna extremamente eficiente, óptima, digamos, fluindo com facilidade e liberdade. Isto é um facto fisiológico bem estabelecido. Não se trata de uma hipótese. Os sentimentos que acompanham esses estados fisiológicos ideais são naturalmente considerados "positivos". São caracterizados não só pela ausência de dor, mas também por variedades de prazer. E há também estados do organismo em que os processos da vida lutam arduamente por recuperar o equilíbrio e podem até perder essa luta e entrar em caos. Os sentimentos que ocorrem nesses estados são considerados "negativos" e caracterizam-se não só pela ausência de prazer, mas por variedades de dor.
Julgo que é possível dizer, com alguma confiança, que os sentimentos positivos e negativos são determinados pela regulação da vida. O sinal positivo ou negativo é conferido pela proximidade ou distância relativamente aos estados que representam uma regulação óptima da vida.
A propósito, a intensidade dos sentimentos também está naturalmente provavelmente ligada ao grau de correcções que é necessário fazer nos estados ditos negativos, e à medida em que os estados ditos positivos excedem o nível homeostático necessário para a sobrevida e traduzem uma regulação optimizada.

in: Ao encontro de Espinosa, de António Damásio, p. 143 a p. 145.

03 dezembro 2013

Perder o Apetite | Qual a diferença entre mim e uma árvore?


E se uma árvore perder o apetite?
Morre.

Mas, se eu estou a perder o apetite!
Irei morrer.

Não, por falta de nutrição, não!
Mas, por falta de prazer, sim.


Por exemplo, na parte do cérebro conhecida como hipotálamo, grupos de neurónios leem directamente a concentração de glucose ou água presentes na corrente sanguínea e atuam de acordo com essa leitura produzindo uma pulsão ou apetite.
A diminuição da concentração de glucose leva a um estado de fome e ao início de comportamentos que visam a ingestão de alimentos e, eventualmente, a correcção do nível de baixo de glucose. Da mesma forma, uma diminuição de da concentração de água leva à sede e à preservação da água. Os rins travam a eliminação da água e a respiração é alterada em paralelo, de forma que menos água se perca no ar que respiramos. (…)
Estes convertem sinais químicos trazidos pela corrente sanguínea em sinais neurais transmitidos ao longo de projecções nervosas dentro do cérebro.
O resultado é o mesmo: o cérebro mapeia o estado do corpo.
O pormenor deste mapeamento local e global, nervoso e químico, é verdadeiramente espantoso.
Não é de todo correcto dizer, como tantas vezes fazemos, que os sinais que provêm do tronco cerebral e do hipotálamo nunca se tornarem conscientes. Pelo contrário, julgo que uma parte desses sinais entra continuamente na consciência sob forma particular: a forma de sentimentos de fundo. E se é verdade que os sentimentos de fundo muitas vezes nos escapam, também é verdade que em muitas circunstâncias atraem a atenção e dominam a nossa consciência. Basta apenas pensar na forma como nos sentimos quando o mal-estar da doença nos invade ou quando a energia da saúde nos faz sentir no topo do mundo. 

in: António Damásio, Ao Encontro de Espinosa, p. 139 e 140.
[Fotografia: Barragem de Montargil, Alentejo/Portugal]

02 dezembro 2013

Amarelo | Cor da Contradição


O Amarelo está presente em experiências e símbolos relacionados com o Sol, a luz e o ouro. Então, porquê que é tão pouco apreciado? O Amarelo é a cor do optimismo, mas também da mentira e da inveja. O Amarelo é a cor da  iluminação, do entendimento, mas também a dos desprezíveis e dos traidores.
O Amarelo é desta forma contraditório.
O Sol é a nossa experiência elementar do amarelo.
O Amarelo é, tal como o azul e o vermelho, uma das três cores primárias, as que não se obtêm de nenhuma mistura de cores. É a mais clara de todas as cores vivas. O Amarelo é a cor preferida de 6% das mulheres e dos homens. Preferem-na mais as pessoas mais velhas do que os jovens.

in: A Psicologia das Cores, de Eva Heller, p. 85.

20 novembro 2013

A Química do Sentimento | As Drogas da Felicidade


É bem sabido que certos medicamentos psicotrópicos transformam os sentimentos de tristeza ou de incapacidade em sentimentos de contentamento e segurança. Muito antes da fase Prozac da nossa vida cultural, sabia-se que o álcool, os narcóticos, os analgésicos e hormonas, tais como os estrogéneos e a testosterona, alteravam, sem qualquer dúvida, os sentimentos. Está bem de ver que a acção dessas substâncias é devida à estrutura das suas moléculas. Mas como é que essas moléculas produzem os seus notáveis efeitos?
(…)
As drogas da felicidade
As frases dos toxicómanos contêm referências frequentes às alterações do corpo que acontecem durante os highs da droga e constituem mais uma linha de evidência no que diz respeito à relação entre corpo e sentimento. Algumas declarações: "O meu corpo estava cheio de energia e ao mesmo tempo relaxado", É como se todas as células e ossos do meu corpo estivessem a dançar deliciosamente", "É como se tivesse tido um orgasmo no corpo inteiro".
(…)
Todas estas declarações descrevem alterações no corpo - relaxamento, calor, anestesia, analgesia, libertação orgástica, energia. (…) Todas estas sensações são geralmente acompanhadas por uma colecção de pensamentos bem sintonizados com a natureza das sensações - pensamentos que se referem a acontecimentos positivos, a uma capacidade aumentada de «compreensão», a um aumento do poder físico e intelectual, a um remover de limites e preocupações. Curiosamente, as drogas que levaram a estas declarações são diferentes. (…)
Por exemplo, a cocaína e a anfetamina actuam através da dopamina. Mas a variante de anfetamina que está na moda, o ecstasy, uma molécula de nome complicado conhecida pelas iniciais MDMA actua através da serotonina. (…)
A distribuição anatómica dos receptores em que estas diferentes substâncias actuam é extremamente variada e diferente para cada uma das drogas. E, no entanto, os sentimentos que as várias drogas produzem são semelhantes.
Dado que todos os sentimentos contêm como ingrediente fundamental um componente de dor ou de prazer, e dado que as imagens mentais a que chamamos sentimentos têm origem em mapeamentos do estado do corpo, é legítimo propor que a dor e as suas variantes correspondam a uma certa configuração dos mapas do estado do corpo.
Do mesmo modo, o prazer e as suas variantes são o resultado de um certo mapeamento do corpo. Sentir dor ou sentir prazer resulta da presença de uma certa imagem do corpo tal como é representada, em certo momento, em mapas do corpo. A morfina ou a aspirina podem alterar essa imagem. O uísque ou o ecstasy também. E os anestéticos. E certas formas de meditação. E o desespero. E a esperança.

in: Ao Encontro de Espinosa, as Emoções Sociais e a Neurologia do Sentir, de António Damásio, pp. 133 a 138.

13 novembro 2013

Corpo | A minha definição


O nosso corpo e mente é um organismo vivo, reage aos meios envolventes tais como: frio, calor e outras variações de temperatura, vozes, sons, gestos, cheiros, atitudes, reacções e comportamentos vários.
Somos como uma "esponja do mar", sensível a qualquer variação do seu habitat, exibe-se no conforto e prazer do seu ambiente e retrai-se no frio e no medo, reagindo e até morrendo.
A expressividade é a libertação da mente e do corpo, ou seja é uma liberdade física e mental, indispensável ao conforto e prazer de viver.

12 novembro 2013

Alberto Carneiro | Colecção de Arte da CGD



Os diversos núcleos que compõem o espólio artístico da Caixa Geral de Depósitos acolhem hoje cerca de duas mil obras de artistas portugueses, bem como de artistas brasileiros e africanos de expressão portuguesa. Atravessando uma multiplicidade de disciplinas artísticas e cobrindo um período que se inicia ainda no século XIX para chegar aos nossos dias, este corpo de obras mantém-se como uma das mais consequentes iniciativas públicas no que à criação de um património artístico colectivo diz respeito. (…)
Núcleos de artistas dos primórdios da contemporaneidade artística do nosso país e os seus mais recentes desenvolvimentos, as escolhas de Fernando Calhau lograram reforçar núcleos de artistas como Lourdes de Castro, Alberto Carneiro ou Álvaro Lapa, ao mesmo tempo que inauguram a presença de outros, bem mais jovens, como Pedro Sousa Vieira, Gilberto Reis ou Francisco Rocha.

Ver Exposição: Sentido em Deriva, Obras da Colecção da Caixa Geral de Depósitos, Culturgest, Lisboa, Outubro 2013 a Janeiro de 2014 (Na imagem: obra de Alberto Carneiro)

11 novembro 2013

Nas Nuvens


Para fugir da agonia não há como fugir para as nuvens
Elas levam-nos para onde querem e nós voamos com elas
Assim divagamos e à deriva nos deixamos levar
Porque assim não estamos na terra
Queremos voar e deixar este sítio
Fingimos que não temos corpo e apenas uma espécie de mente
E talvez um dia demente ou alienada e doente me ausente completamente.

[Imagem: Action Line, de Armando Duarte, 1999 (vista parcial), em exposição na Culturgest, em Lisboa]

05 novembro 2013

Livros | Memórias


Estados do corpo: a realidade e a simulação, e uma analgesia natural
Em cada momento das nossas vidas, as regiões somatossensitivas do cérebro recebem sinais com os quais constroem mapas do estado do corpo. Podemos imaginar esses mapas como colecções de correspondências entre todo e qualquer ponto do corpo e as regiões somatossensitivas. (…) No entanto, as interferências nas transmissões de sinais do corpo podem criar mapas "falsos". Um bom bom exemplo de mapas falsos do corpo ocorre em certas circunstâncias em que o cérebro impede a passagem de sinais que têm a ver com a dor (sinais nociceptivos). (…)
A propósito, uma simples variação nestes mecanismos poderia levar ao suprimir da recordação de situações que no passado tivessem causado grande angústia.

in: António Damásio, Ao Encontro de Espinosa, p. 126 e 129
[Imagem: Leitura II, 2013, da artista plástica Isabel Ribeiro; material: tinta-da-china sobre parede, na Biblioteca da Casa da Cerca, em Almada]

30 outubro 2013

Quem pode ter sentimentos?


Em primeiro lugar, uma entidade capaz de sentir precisa de ter não só um corpo, mas também meios para representar esse corpo dentro de si mesmo. É possível pensar em organismos complexos, tais como as plantas, que sem dúvida alguma estão vivos e têm um corpo, mas que não têm meios de representar partes ou estados desse corpo em qualquer forma de mapa cerebral. As plantas reagem a diversos estímulos, como por exemplo a luz, o calor, a presença ou falta de água e de fontes de nutrição. Mas, tanto quanto sabemos as plantas não são capazes de sentir nenhuma dessas reacções no sentido comum do termo. Em conclusão, a primeira necessidade que é preciso satisfazer para que haja sentimento é a presença de um sistema nervoso.
Em segundo lugar, esse sistema nervoso deve ser capaz de mapear as estruturas do corpo e os seus diversos estados e ser capaz também de transformar os padrões neurais desses mapas em padrões mentais, ou seja, imagens.
Em terceiro lugar, a ocorrência de um sentimento, no sentido tradicional do termo, requer que os conteúdos desse sentimento sejam conhecidos pelo organismo, ou seja, a consciência é também uma necessidade básica para a ocorrência do sentimento, no sentido tradicional do termo.
Em quarto lugar, os mapas cerebrais que constituem o substrato básico dos sentimentos exibem padrões de estado corporal que foram executados sob o comando de outras regiões do mesmo cérebro em que se exibem. Por outras palavras, o cérebro de um organismo que sente é, ele mesmo, o criador dos estados corporais que evocam sentimentos quando esse organismo reage a objectos e situações com emoções e apetites.
(…)
O aparecimento dos sentimentos só foi possível quando os organismos passaram a possuir mapas cerebrais de representar estados do corpo. Por seu turno, esses mapas cerebrais foram possíveis porque eram imprescindíveis para a regulação cerebral do estado do corpo sem a qual a vida não pode continuar.

in: António Damásio, Ao Encontro de Espinosa, p. 122 a 124.

22 outubro 2013

Contadores de Histórias


AFINAL O SER HUMANO É UM EXÍMIO CONTADOR DE HISTÓRIAS


Somos uns contadores de histórias. Na verdade a história humana é construída a partir de uma história. Um enredo, uma narrativa, uma descrição, uma observação, uma opinião, um parecer, um ponto de vista ou um facto. Mas, afinal qual é o facto ou a ocorrência, se afinal todos viram, veem eu irão visualizar de modo diferente, cada um contém em si vários léxicos de saberes, de cultura, de informação, de sabedoria ou de conhecimento.
Uma das maiores riquezas da humanidade está exactamente na diversidade.
Algumas das histórias criaram a história da civilização humana. Contada por alguns, alterada por outros e interiorizada ainda por outros, algumas tornaram-se autênticos dogmas que perduram no tempo. Foi a partir de enredos que a civilização humana se foi impondo no planeta Terra, a tal ponto de o dominar, perdendo a noção da sua amplitude e do seu poder sobre o próprio ser humano.

21 outubro 2013

De noite na cama, eu fico pensando




De noite na cama, eu fico pensando, é uma instalação constituída por várias fronhas brancas, sobre fundo azul céu, com fragmentos de textos bordados a linha vermelha, retirados do livro A Arte de Viajar, de Alain de Botton, que, abordando os prazeres e desilusões, ou frustrações de viajar, lhe permite evocar, através de um jogo entre texto e objecto, a ideia de uma viagem essencialmente interior e afectiva.

De noite na Cama, fico pensando, de Ana Pérez-Quiroga, in: Casa Ocupada, Casa da Cerca, Almada, 2013

17 outubro 2013

Como é que se esquece alguém que se ama? | Miguel Esteves Cardoso


Como é que se esquece alguém que se ama? Como é que se esquece alguém que nos faz falta e que nos custa mais lembrar que viver? Quando alguém se vai embora de repente como é que se faz para ficar? Quando alguém morre, quando alguém se separa - como é que se faz quando a pessoa de quem se precisa já lá não está? As pessoas têm de morrer; os amores de acabar. As pessoas têm de partir, os sítios têm de ficar longe uns dos outros, os tempos têm de mudar Sim, mas como se faz? Como se esquece? Devagar. É preciso esquecer devagar. Se uma pessoa tenta esquecer-se de repente, a outra pode ficar-lhe para sempre. Podem pôr-se processos e acções de despejo a quem se tem no coração, fazer os maiores escarcéus, entrar nas maiores peixeiradas, mas não se podem despejar de repente. Elas não saem de lá. Estúpidas! É preciso aguentar. Já ninguém está para isso, mas é preciso aguentar. A primeira parte de qualquer cura é aceitar-se que se está doente. É preciso paciência. O pior é que vivemos tempos imediatos em que já ninguém aguenta nada. Ninguém aguenta a dor. De cabeça ou do coração. Ninguém aguenta estar triste. Ninguém aguenta estar sozinho. Tomam-se conselhos e comprimidos. Procuram-se escapes e alternativas. Mas a tristeza só há-de passar entristecendo-se. Não se pode esquecer alguem antes de terminar de lembrá-lo. Quem procura evitar o luto, prolonga-o no tempo e desonra-o na alma. A saudade é uma dor que pode passar depois de devidamente doída, devidamente honrada. É uma dor que é preciso aceitar, primeiro, aceitar. É preciso aceitar esta mágoa esta moinha, que nos despedaça o coração e que nos mói mesmo e que nos dá cabo do juízo. É preciso aceitar o amor e a morte, a separação e a tristeza, a falta de lógica, a falta de justiça, a falta de solução. Quantos problemas do mundo seriam menos pesados se tivessem apenas o peso que têm em si , isto é, se os livrássemos da carga que lhes damos, aceitando que não têm solução. Não adianta fugir com o rabo à seringa. Muitas vezes nem há seringa. Nem injecção. Nem remédio. Nem conhecimento certo da doença de que se padece. Muitas vezes só existe a agulha. Dizem-nos, para esquecer, para ocupar a cabeça, para trabalhar mais, para distrair a vista, para nos divertirmos mais, mas quanto mais conseguimos fugir, mais temos mais tarde de enfrentar. Fica tudo à nossa espera. Acumula-se-nos tudo na alma, fica tudo desarrumado. O esquecimento não tem arte. Os momentos de esquecimento, conseguidos com grande custo, com comprimidos e amigos e livros e copos, pagam-se depois em condoídas lembranças a dobrar. Para esquecer é preciso deixar correr o coração, de lembrança em lembrança, na esperança de ele se cansar.

Amor, de Miguel Esteves Cardoso, in: Último Volume

16 outubro 2013

A Mensageira das Violetas


Falo de ti às pedras das estradas,
E ao sol que é louro como teu olhar,
Falo ao rio, que desdobra a faiscar,
Vestidos de princesas e de fadas;

Falo às gaivotas de asas desdobradas,
Lembrando lenços brancos a acenar,
E aos mastros que apunhalam o luar
Na solidão das noites cousteladas;

Digo os anseios, os sonhos, os desejos
Donde a tua alma, tonta de vitória,
Levanta ao céu a torre dos meus beijos!

E os meus gritos de amor, cruzando o espaço,
Sobre os brocados fúlgidos da glória,
São astros que me tombam do regaço.

Florbela Espanca, in: "A Mensageira das Violetas"

15 outubro 2013

Feijoeiro Mágico



A partir da história "João e o Pé de Feijão" representa-se o feijoeiro mágico deste conto popular, mas reveste-se de outros níveis de significação e conotações simbólicas. Podemos afirmá-lo ainda como uma metáfora da "casa", que à semelhança de uma planta ou árvore, configura também uma ideia de enraizamento, de fixação ao lugar, de desenvolvimento e transformação.

Ver: Casa da Cerca, Casa Ocupada, Outubro de 2013
Feijoeiro, de João Pedro Vale, 2005

08 outubro 2013

Emergir | Identify Specific


Emergir - Identify specific, é uma instalação de Maria Tomás, com curadoria de Cristina Azevedo Tavares.

Um espaço a descobrir, e a criar admiração pela dimensão das peças ali expostas, e em total diferenciação de escala com a nossa envolvente. Fazem parte da história, de uma vida, e são parte da nossa percepção.
O contexto em que ali foram salvaguardadas e a sua redescoberta pelo olhar dos artistas plásticos renova ainda o próprio local e a sua interligação com a nossa contemporaneidade.


Ver: Casa dos Gessos, do Museu Militar de Lisboa (Campo de Santa Clara nº 62, junto ao Panteão Nacional).

01 outubro 2013

O Desencadear das Emoções


A cadeia de fenómenos que leva à emoção inicia-se com o aparecimento na mente do estímulo-emocional-competente. Em termos neurais, as imagens do estímulo competente são apresentadas nas diversas regiões sensoriais que mapeiam as suas características, por exemplo, nos córtices visuais ou auditivos. Chamamos a esta parte do processo a fase de "apresentação". Na fase seguinte, sinais ligados à representação sensorial do estímulo são enviados para vários outros locais do cérebro, nomeadamente para os locais capazes de desencadear emoções. Podemos conceber esses locais como fechaduras que apenas se podem abrir com as chaves que lhe correspondem. Essas chaves são, evidentemente, os estímulos emocionais competentes. Deve notar-se que as chaves "seleccionam" uma fechadura preexistente e que não instruem o cérebro na construção de uma fechadura nova.
A actividade nestes locais desencadeadores é a sua causa imediata do estado emocional que ocorre no corpo e no cérebro. Mais tarde ou mais cedo, esta cadeia de acontecimentos pode reverberar e amplificar-se ou reduzir-se e terminar.
Em conclusão, em linguagem neuroanatómica ou neurofisiológica, a cadeia começa quando os sinais neurais correspondentes a um certo objecto (por exemplo, os sinais que representam um objecto ameaçador nos córtices visuais) são comunicados em paralelo ao longo de diversas projecções neurais para outras regiões do cérebro.
Algumas das regiões recipientes, como, por exemplo, a amígdala, entram em acção quando detectam uma certa configuração de sinais - ou seja, quando a chave serve na fechadura - e, por sua vez, iniciam sinais que alvejam outras regiões cerebrais, continuando desta forma a cadeia de acontecimentos que virá a tornar numa emoção.
Estas descrições lembram de certo modo as de um antigénio (por exemplo, um vírus) que entra na corrente sanguínea e que leva a uma resposta imunitária feita de numerosos anticorpos capazes de neutralizar o antigénio.
O processo neural e o processo imunitário têm uma certa parecença formal.
No caso da emoção, o "antigénio" é apresentado através do sistema nervoso e o "anticorpo" é a resposta emocional.

in: António Damásio, Ao Encontro de Espinosa, p. 71.

24 setembro 2013

Emoções e Submissão/Liderança

É muito provável que a existência de emoções sociais tenha tido um papel no desenvolvimento dos mecanismos culturais da regulação social. É também verdade que algumas das emoções sociais humanas são provocadas sem que o estímulo seja imediatamente aparente, nem para os observadores, nem para quem exibe a emoção. As reacções de dominância ou submissão social são um exemplo notável que encontramos a cada passo no mundo dos desportos, da política e nos locais de trabalho em geral.
Uma das razões por que algumas pessoas se tornam líderes e outras seguidoras, por que algumas inspiram respeito e outras se acobardam, tem muitas vezes pouco a ver com os conhecimentos ou aptidões dessas pessoas, mas muitíssimo a ver com qualidades físicas que promovem certas respostas emocionais nos outros.
Para quem observa tais respostas e, por vezes, para quem as exibe, estas emoções aparecem sem qualquer motivo aparente, porque a sua origem reside nos mecanismos automáticos da emoção social.
Devemos agradecer a Darwin, uma vez mais, por nos ter orientado para a história evolucionária destes fenómenos.

in: António Damásio, Ao Encontro de Espinosa, as Emoções Sociais e a Neurologia do Sentir, p. 62.

08 agosto 2013

Compreender a Biologia das Emoções


Numa sociedade moderna, a zanga é contraproducente, tal como a tristeza. As fobias são um enorme obstáculo. E, no entanto, está bem de ver que a zanga e o medo salvaram numerosas vidas ao longo da evolução.
(...)
Compreender a biologia das emoções e o facto de que o valor das diferentes emoções depende das circunstâncias actuais, oferece oportunidades novas para a compreensão moderna do comportamento humano. Podemos compreender, por exemplo, que certas emoções são más conselheiras e procurar modos de suprimir ou reduzir as consequências desses maus conselhos. Estou a pensar nas reacções que levam a preconceitos raciais e culturais e que se baseiam em emoções sociais cujo valor evolucionário residia no detectar de diferenças em outros indivíduos - porque essas diferenças eram indicadoras de perigos possíveis - e no promover de agressões ou retraimento. Este tipo de reacções deverá ter produzido resultados extremamente úteis numa sociedade tribal, mas não é útil nem aceitável no mundo actual.

in: António Damásio, Ao Encontro de Espinosa, p. 54.

15 julho 2013

Ao Encontro de Espinosa | António Damásio


… Espinosa fuma o seu cachimbo e o aroma do tabaco colide com o da aguarrás durante as perguntas e respostas. Entardece. Atrás destas janelas Espinosa recebeu centenas de visitantes, desde vizinhos e familiares dos Van der Spijk a jovens estudantes, desde Gottfried Leibniz e Christiaan Huygens a Henry Oldenburg, presidente da Royal Society inglesa então acabada de criar. A julgar pelo tom da sua correspondência, Espinosa era simpático com a gente simples e impaciente com os seus pares. Ao que parece tolerava aqueles que eram tolos mas modestos, mas não o resto dos tolos.
(…)
O Deus de Espinosa não era judeu nem nem cristão. O Deus de Espinosa estava em toda a parte, dentro de cada partícula do universo, sem princípio nem fim, mas não respondia nem a preces nem a lamentações. Enterrado e desenterrado, judeu e não judeu, português mas não exactamente, holandês mas não completamente, Espinosa não pertencia a parte nenhuma e estava em toda a parte.

in: Ao Encontro de Espinosa - As Emoções Sociais e a Neurologia do Sentir, de António Damásio, 2012, pp. 33 e 37.

23 junho 2013

A Sagração da Primavera



"E num corpo que já não é seu, num tempo que a transcende e antecede, ela dança.
Selvagem, brusca, bruta, sensual; uma consciência desperta para o existir pleno e superior.
Exausta, acabará por cair, por fim.
Depois, o prelúdio.
O recomeço.
Os mesmos rituais, os mesmos círculos, as eternas revelações daquilo que foi e sempre será.
Tudo se repete num perpétuo retorno de momentos. Não há início nem ocaso.
A terra, as raízes, os homens.
Os sentidos, as emoções, as rivalidades.
O quotidiano, os excessos, o medo, a imaginação e a criação.
As crenças. A fé. Os sacrifícios: a busca constante de actuação do divino através da adoração ou oferenda do que é terreno e material - Homem ou objecto; a expressão pura da libertação, uma tentativa de fuga ao que nos oprime e angustia.
A sagração. Do tempo, esse que é limitado, cíclico, inexorável, que nos trespassa e se repete. Constantemente. Eternamente. Sem fim. Renasce, recria-se, reencontra-se.
E num corpo que já não é seu..."

in: A Sagração da Primavera, direcção de Olga Roriz, Culturgest, Junho de 2013
Texto: Paulo Reis, Maio 2013

05 junho 2013

Uma pedagogia da Morte | Obrigação de viver




Assim, em benefício da morte voluntária: a necessidade existe, mas não há qualquer obrigação de viver por necessidade; é possível escolher abandonar a vida por opção própria; o nosso corpo pertence-nos e podemos usá-lo como quisermos; a existência não vale pela quantidade de vida vivida, mas sim pela sua qualidade; morrer bem é melhor do que viver mal; deve-se viver o que se deve, não o que se pode; escolher uma (boa) morte vale mais do que padecer uma (má) vida.

in: A Potência de Existir, de Michel Onfray, p. 190.

29 maio 2013

Bertolt Brecht


Do rio que tudo arrasta se diz que é violento mas ninguém diz violentas as margens que o oprimem. 
Bertolt Brecht

Ver: http://www.astormentas.com/brecht.htm

22 maio 2013

Todos são especiais | Aceitar


Todas as pessoas são especiais.
O erro do ser humano foi pensar que alguns são mais importantes do que outros.
A inteligência ou as capacidades que uns possam ter em relação a outros foram dádivas da natureza e sensibilidades diversificadas, o que significa a riqueza da humanidade.
O grande desafio é aceitar as diferenças entre cada um no conjunto de todos.

[Imagem] S/Título, Sem Data, de Emmerico Nunes

14 maio 2013

Michel Onfray | O Desejo


A codificação ascética.
A priori, o desejo estimula uma formidável força anti-social.
Antes da sua captura e domesticação pelas formas que se apresentam como socialmente aceitáveis, o desejo representa uma energia perigosa para a ordem estabelecida.
Sob a sua tutela, aquilo que constitui um ser socializado já não conta para nada: utilização do tempo ordenado e repetitivo, prudência na acção, poupança, mansidão, obediência, tédio.
É assim que triunfa tudo o que se opõe a isto: liberdade total, soberania do capricho, imprudência generalizada, despesas sumptuosas, insubmissão aos valores e aos princípios vigentes, rebelião em face das lógicas dominantes, total falta de socialidade.
Para poder ser e durar, a sociedade tem que submeter essa força selvagem e sem lei.

in: A Potência de Existir, de Michel Onfray, Campo da Comunicação, p. 119.

08 maio 2013

Simone de Beauvoir | Ninguém nasce mulher: torna-se mulher




LOVE  LOVE  LOVE
Não faço filhos, faço livros.
Simone de Beauvoir


A Ciência mostrou que o "instinto materno" não é inato e pode ser vivido de diversos modos. As transformações culturais trouxeram a oportunidade de fazer opções, o que ajudou muita gente a chegar à conclusão de que não quer engravidar - algo simplesmente impensável na época das nossas avós.
No entanto, ao serem questionadas as mulheres percebem na curiosidade alheia a pressão e as críticas disfarçadas, como se a opção de não terem sido mães as fizesse pessoas especialmente egoístas ou fosse sinal de algum "grande problema" em relação à sua feminilidade. Nas pesquisas efectuadas, o estudo revelou que as mulheres sem filhos se sentiram estigmatizadas como se fossem cidadãs de segunda categoria. "É como se, de certa forma, a maternidade fosse a garantia de nos tornarmos pessoas melhores", observa Maria Letizia Tanturri, professora de Demografia na Universidade de Pavia, Itália.

As mulheres criaram outros interesses. A neurologista Rita Levi-Montalcini (ganhadora do prémio Nobel da Fisiologia e Medicina, em 1986) e a escritora Simone de Beauvoir, não foram mães, mas criaram conhecimento.
A filósofa Elisabeth Badinter, publicou O Conflito: a mulher e a mãe. Hoje, as mulheres têm melhores condições socioeconómicas, podem escolher, e, pelo menos na Europa, uma em quatro mulheres não parece estar interessada em ter filhos, afirma a socióloga inglesa Catherine Hakim, pesquisadora da London School of Economics.

in: Revista Scientific American, Filhos? Não, Obrigado, Ano XIX, Nº 231, p. 37.

06 maio 2013

Pedro Tamen | Dentro de Momentos


Ao lado da manhã nasceu outra manhã
Onde o teu pé, só por tocar o chão,
Imobiliza o tempo.

Aquele que não ama nem odeia,
Por não ferver, azeda como o leite.


(Texto) in: Dentro de Momentos, de Pedro Tamen, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, pp. 20 e 29.
(Imagem) Colagens, de Fernando de Azevedo, in: Exposição - Razões Imprevistas, Centro de Arte Moderna,  Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, Maio, 2013

30 abril 2013

A Face Oculta dentro de si mesmo | Dois "eus" encaixados



Apelos da Natureza e Viagens do corpo e da alma.

Assim é o Amor: capaz de encantar, desnortear, entusiasmar, enlouquecer, enlevar, fascinar, fazer viver, adoecer e morrer. Transforma a pessoa comum em poeta, a rotina em ocasião especial, pequenos gestos se tornam imensos, faz o coração bater, amplia horizontes ou estreita na cegueira do fanatismo. O facto é que não há quem escape das alegrias e dos males de amor. E, à felicidade extrema decorrente de sua concretização, opõe-se o enorme sofrimento quando o amor vem acompanhado de um obstáculo que impeça a sua realização. A dor da separação é descrita, por exemplo, por São João da Cruz, em seu Cântico espiritual, poema pertencente ao livro A noite escura da alma. Angústia, agonia, depressão, sofrimento, abandono, desespero, solidão são algumas das emoções das quais padecem aqueles que conhecem a travessia nocturna pelo mar, a descida aos abismos profundos do ser, onde a escuridão habita dia e noite.

[Texto] in: Jung e o Amor, por Maria Helena R. Mandacarú Guerra, in: Revista Mente e Cérebro, Nº 230, p. 47.
[Imagem] Cartaz, Kasbah marroquina, Rosa's do deserto, uma Pinha e uma Folha, in: Exposição - A Face Oculta, ESTGP, Abril de 2013.

29 abril 2013

Carl Gustav Jung | O Amor


Jung e o Amor
O psiquiatra Carl Jung (1875 - 1961) foi um homem erudito, cientista, estudioso, pesquisador, intelectual criativo. Com grande capacidade para apreender profundamente o psiquismo, partindo das suas experiências e das dos seus pacientes, propôs um modelo de funcionamento mental. Durante alguns anos aproximou-se muito de Sigmund Freud, criador da psicanálise, e manteve com ele correspondência assídua e contactos frequentes, até que os dois protagonizaram uma ruptura que durou até ao fim da vida.
Autor de uma obra vastíssima, são dele, por exemplo, alguns conceitos, como inconsciente colectivo, arquétipo, Self, anima, animus, complexo, sombra e sincronicidade.
Jung desenvolveu também uma tipologia psicológica, concebendo quatro funções da consciência (pensamento, sentimento, intuição e sensação) e duas atitudes (introversão e extroversão), que combinadas duas a duas formam oito tipos. (…) Assim, na medida em que nos aprofundamos no caminho do auto conhecimento, abrimos espaço também para nos percebermos iguais a todas as outras pessoas. Vivemos, portanto, algo paradoxal: sermos iguais e, ao mesmo tempo, absolutamente únicos.
Aqueles que trilham esse caminho sabem que raramente o percurso ocorre sem tensão ou conflito. E não foi diferente com Jung.

As Duas Mulheres
Para ele o Amor ocupava um lugar fundamental. Aos 84 anos, em entrevista aMiguel Serrano, intelectual chileno que viveu na Índia como embaixador de seu país, Jung afirmou: "Nada é possível sem amor, uma vez que somente a pessoa apaixonada põe em jogo toda a sua personalidade e arrisca até mesmo a vida. O amor é a flor mística da alma, o centro, é o si-mesmo. Ninguém entende isso, a não ser alguns poetas, somente eles me compreenderão…"
A fidelidade a seu processo de individuação, o respeito ao que acreditava e à sua essência deram a Jung coragem para viver algo completamente repudiado e fora da tradição religiosa e social do Ocidente: a bigamia. Ele introduziu Toni Wolf em sua vida pessoal e profissional, ao lado de Emma, fazendo questão que ela fosse respeitada como sua segunda mulher. Emma e Toni trabalharam como analistas junguianas, recebendo pacientes e convivendo socialmente.
Jung encontrou nelas companheiras de existência, mantendo os dois relacionamentos até ao fim. E sobreviveu a ambas.

in: Scientific American, in: Revista Mente e Cérebro, Ano XIX, Nº 230, p. 49.

16 abril 2013

Michel Onfray | A Potência de Existir


1.
Sem necessidade de ser justo, o terror oferece, por si só, uma forma de governação: " para que nos obedeçam, temos que ser receados", este era o pensamento que estava em vigor em França antes de Maio de 68. [p. 33]

2. 
O filósofo é filósofo vinte e quatro horas por dia, mesmo quando faz a lista da lavandaria antes de retomar o argumento habitual… Platão é filósofo quando escreve contra o hedonismo no Filebo, mas também quando o vendedor ascético morre durante um banquete; tanto na redacção do seu Parménides como no seu desejo de queimar as obras de Demócrito; na sua fundação da Academia e no seu passado enquanto autor dramático e lutador; ele é filósofo quando publica A Republica e As Leis, assim como quando vive como cortesão junto de Dionísio de Siracusa; etc. Um e outro, um é o outro. Decorre disto a necessidade de uma íntima relação entre teoria e prática, entre reflexão e vida, entre pensamento e acção. A biografia de um filósofo não se reduz somente ao comentário das suas obras publicadas, ela abrange a natureza do vínculo entre os seus escritos e os seus comportamentos. Só se pode chamar obra ao conjunto. O filósofo deve mais do que ninguém, manter unidos esses dois tempos tão amiúde colocados em oposição.
A vida alimenta a obra que, por sua vez, alimenta a vida: Montaigne foi quem primeiro o descobriu e demonstrou; ele sabia que, quando se faz um livro, tornamo-lo tanto mais notável quanto ele por sua vez nos constitui. [p. 73]

3. 
O conjunto converge num ponto focal: o hedonismo. 
Sugiro amiúde esta máxima de Chamfort, por ela funcionar como imperativo categórico hedonista: desfruta e faz desfrutar, sem fazeres mal a ti ou a alguém: eis toda a moral.
Está tudo dito nesta máxima: fruição de si, é certo, mas também e sobretudo fruição de outrem, porque sem ela nenhuma ética é possível ou pensável, pois só o estatuto do outro a define como tal. [p. 77.]

in: Michel Onfray, A Potência de Existir, Editora Campo da Comunicação, 2009

03 abril 2013

Graça Morais | A Terra



A artista Graça Morais nasceu em 1948, em Vieiro, Trás-os-Montes,
 e local onde vive actualmente.
As suas produções são "impregnadas de uma matriz expressionista".
Graça Morais pinta por ciclos, cada um deles surgidos por impulsos contraditórios, por receios e audácia, num nervosismo que tolda o próprio deslumbramento sentido perante alguns comportamentos humanos.
A sua arte intuitiva assimila o que o corpo conhece, sofre, luta.
A sua experiência pessoal. A da sua mãe.
Os temas da sua obra: os ciclos da vida das mulheres, a terra, os rostos, os corpos, bem como a fragilidade do ser humano.  

28 março 2013

Samuel Beckett


Ever tried.
Ever failed.
No matter.
Try again.
Fail again.
Fail better.

in: Samuel Beckett (1906 - 1989)

21 março 2013

Francis Bacon | Studio





Francis Bacon, pintor irlandês nascido em Dublin em 1909 e falecido em 1992.
O seu estúdio foi adquirido pelo coleccionador Hugh Lane, que o devolveu à cidade de Dublin em 1995.
Patente em exposição e protegido pelo espaço museológico da Galeria de Arte The Hugh Lane Dublin City Gallery.
Uma visita obrigatória quando viajar até esta cidade irlandesa.

Para conhecer o artista ver: en.wikipedia.org/wiki/Francis_Bacon_(artist)

26 fevereiro 2013

Pedro Sousa Vieira | Preto e Branco




Sem culpa e sem arrependimento, o método de trabalho deste artista está assente numa total disponibilidade para acolher, inspecionar, perceber e inter-relacionar os mais díspares objectos e fenómenos visuais, fazendo do seu processo criativo um ágil e singular dispositivo de teste à resistência das imagens face a esse suposto regime de excepção a que chamamos experiência artística.
O centro vital de todo este processo é o ateliê. Nele habitam, lado a lado com os mais variados instrumentos do ofício artístico, todo o tipo de objectos proscritos, como caixas de papelão usadas, galhos de árvores partidos, garrafas de plástico amachucadas, placas de zinco, superfícies espelhadas, mesas rombas, cadeiras depostas, terra, água, tecido ou sisal.

in: Exposição Preto e Branco, de Pedro Sousa Vieira, Espaço Chiado 8, Lisboa, Fevereiro de 2013

14 fevereiro 2013

Charlotte Roche | Amor


Fomos de encontro um ao outro como dois cometas. Foi amor à primeira vista, mas sem que nos tivéssemos dado conta disso. Foi basicamente como um programa a correr no nosso subconsciente ou como um vírus num computador, fora do alcance da nossa percepção. Pensávamos simplesmente: entendemo-nos tão bem que temos mesmo de nos tornar amigos. Sentíamos que éramos almas gémeas, mas de uma forma absolutamente platónica, bem entendido.
(…)
O meu marido não é nada bem-parecido. O amor não tem portanto absolutamente nada que ver com o aspecto físico. Vão todos à merda mais as vossas caras bonitas. O meu homem de sonho tem de ser assim, cor de cabelo ípsilon: não, nada disso, não é assim que funciona o amor.

in: Zonas Íntimas, de Charlotte Roche, Lua de Papel, p. 27 e 29.

01 fevereiro 2013

As bruxas e as faces do feminino | …


Na Europa do século XV circulavam mitos sobre belas jovens solteiras que se reuniam nos campos para adorar o diabo - e até hoje essas crenças persistem. A autonomia e a sexualidade da mulher foram, por muito tempo, condenadas e relacionadas a práticas pagãs - associação carregada de fantasia e erotismo.

Desejo reprimido

A razão do aparecimento da tipologia social das feiticeiras é, sem argumentação mais aprofundada, relacionada pelos autores do manual de caça às bruxas ao incontrolável desejo sexual feminino. Havia um forte componente erótico nas confissões.

Os voos noturnos das feiticeiras remetem à deusa Diana, guerreira que montava altiva em seu cavalo - imagem alusiva à posição de domínio na relação sexual.
(…)

in: Revista Mente e Cérebro, As bruxas e as faces do feminino, Dezembro de 2011

14 janeiro 2013

Amor …


Aquilo que se faz por Amor está sempre para além do bem e do mal.

Friedrich Nietzsche