Aguarelas Finas, Le Corbusier | Maison La Roche, Paris

30 outubro 2013

Quem pode ter sentimentos?


Em primeiro lugar, uma entidade capaz de sentir precisa de ter não só um corpo, mas também meios para representar esse corpo dentro de si mesmo. É possível pensar em organismos complexos, tais como as plantas, que sem dúvida alguma estão vivos e têm um corpo, mas que não têm meios de representar partes ou estados desse corpo em qualquer forma de mapa cerebral. As plantas reagem a diversos estímulos, como por exemplo a luz, o calor, a presença ou falta de água e de fontes de nutrição. Mas, tanto quanto sabemos as plantas não são capazes de sentir nenhuma dessas reacções no sentido comum do termo. Em conclusão, a primeira necessidade que é preciso satisfazer para que haja sentimento é a presença de um sistema nervoso.
Em segundo lugar, esse sistema nervoso deve ser capaz de mapear as estruturas do corpo e os seus diversos estados e ser capaz também de transformar os padrões neurais desses mapas em padrões mentais, ou seja, imagens.
Em terceiro lugar, a ocorrência de um sentimento, no sentido tradicional do termo, requer que os conteúdos desse sentimento sejam conhecidos pelo organismo, ou seja, a consciência é também uma necessidade básica para a ocorrência do sentimento, no sentido tradicional do termo.
Em quarto lugar, os mapas cerebrais que constituem o substrato básico dos sentimentos exibem padrões de estado corporal que foram executados sob o comando de outras regiões do mesmo cérebro em que se exibem. Por outras palavras, o cérebro de um organismo que sente é, ele mesmo, o criador dos estados corporais que evocam sentimentos quando esse organismo reage a objectos e situações com emoções e apetites.
(…)
O aparecimento dos sentimentos só foi possível quando os organismos passaram a possuir mapas cerebrais de representar estados do corpo. Por seu turno, esses mapas cerebrais foram possíveis porque eram imprescindíveis para a regulação cerebral do estado do corpo sem a qual a vida não pode continuar.

in: António Damásio, Ao Encontro de Espinosa, p. 122 a 124.