Aguarelas Finas, Le Corbusier | Maison La Roche, Paris

21 maio 2023

Deus Cérebro | Série Documental Internacional

O tamanho do cérebro humano está ajustado ao tamanho do próprio corpo humano, mas é provável que o Homem de Neandertal tivesse um cérebro 10% maior do que o actual, o que implicaria uma gestação de 12 meses. (…)

Descendemos dos primatas que andavam nas árvores a comer bagas e a comer folhas e a certa altura a seca chegou a África. E, portanto, foi necessário descer das árvores e ir arranjar outras alimentações. Ainda eram claramente herbívoros mas depois não foi suficiente para a alimentação e então passaram a ser carnívoros e isso pode ter representado uma modificação radical no organismo. (…) Aqui entra a importância da tecnologia humana e o impacto que ela teve desde os primórdios na própria evolução da espécie e no cérebro em particular. Primeiro, com a construção de objetos de pedra afiados que permitiam cortar e esmagar os alimentos e depois com uma descoberta absolutamente decisiva: o fogo. (…)

Sem estas ferramentas, sem fogo, sem modificar a comida que comemos, não estaríamos aqui. Não teríamos energia suficiente para alimentar o cérebro que temos. (…)

A criatividade, por exemplo, implica um maior gasto de energia e mais fadiga cerebral. É por isso que o cérebro arranja forma de simplificar processos para evitar gastos supérfluos. Ao criar rotinas, ao fazer as coisas da mesma maneira, estamos a simplificar e a ajudar o cérebro a poupar energia. Sair da rotina obriga o cérebro a fazer novas associações, a lidar com o inesperado, o que exige um suplemento energético adicional. (…)

Separámo-nos dos primatas há 7 milhões de anos. Há 2 milhões o cérebro iniciou a sua trajetória de crescimento e estagnou há 200 mil anos. Mas foi apenas há 12 mil anos que inventámos a agricultura e há pouco mais de 5 mil a escrita. Desde então é surpreendente aquilo que a humanidade imaginou, criou, experimentou. (…)

Os nossos antepassados passaram a reunir-se em torno da fogueira, contando histórias épicas das caçadas, reforçando alianças ou ajustando contas, coscuvilhando, dançando e cantando. É o lançamento da primeira pedra da cooperação, que viria a afirmar-se como um pilar crucial para o desenvolvimento da mente humana e como parte da resposta à pergunta: Como chegámos até aqui? (…)

O amor é uma das forças mais poderosas, "uma tempestade perfeita". (…) Pode ser um amor real ou um amor imaginado. Mas tem que existir, porque isso reforça circuitos que nos permitem crescer bem. (…)

Quando se perde alguma coisa do lado emocional perde-se também do lado cognitivo. Este é um dos desafios da neurociência para os próximos anos, tentar descodificar a complexidade da relação entre o afecto e a inteligência cognitiva. (…)

O que as pessoas chamam "sexto sentido" é a intuição que, na verdade, é a capacidade do cérebro para premeditar, para adivinhar o que vai acontecer a seguir. Nós somos notáveis na capacidade de o fazer. (…)

"Sem a invenção da linguagem teríamos continuado a ser animais. Sem metáforas ainda seriámos selvagens." E, "quanto mais avançada é a civilização, mais elaboradas são as suas metáforas." (…)

Não somos os únicos que recorremos à música. Olhemos para o que se passa no reino animal. Vários tipos de animais criam melodias. É o caso dos grilos, das rãs, mas sobretudo dos pássaros. O que se verifica é que os pássaros com os sons mais elaborados são também os que têm maior número de namoradas. Ou seja, as melodias criadas pelas aves são um instrumento de sedução e uma chamada para o acasalamento. Quanto mais complexas as melodias, mais companheiros os pássaros conseguem conquistar. (…) Para o universo humano as semelhanças são as muitas. (…) A música exerce um enorme poder de sedução. 

Charles Darwin estava convencido de que a música precedeu a fala e surgiu exactamente com um objetivo sexual, para seduzir o parceiro e reproduzir, conquistando alguém biologicamente apto para assegurar a descendência. (…) 

Quer isto dizer que o adolescente tem um cérebro que é naturalmente ávido por recompensas, o que se pode tornar uma combinação explosiva. O cérebro adolescente é particularmente vulnerável e sensível a qualquer coisa que lhe dê prazer. (…) A parte que diz respeito à moral, à noção de risco e ao planeamento futuro só fica concluído entre os 20 e os 24 anos, quando o córtex pré-frontal termina a sua evolução. (…) 

Cada cérebro humano é o realizador de uma narrativa original, pegando no passado, fazendo projeções contínuas para o futuro. (…)

O cérebro é uma entidade em constante mutação. Continua a evoluir. (…)

O amor e a felicidade são o bem-estar supremo, aquilo pelo qual o trabalho conjunto do corpo e cérebro lutam, em prole de um desígnio maior: o prolongamento da vida, a homeostasia. (…)

Por muito que custe a aceitar a quem apregoa os pergaminhos do purismo da raça e da xenofobia, meus amigos, estamos todos cada vez mais parecidos e viemos todos de África. A diferença entre as raças localiza-se em um milímetro da epiderme, sim 1 milímetro de epiderme. (…) Não é mais do que uma reação à luz do sol. (…)

O equilíbrio no corpo humano resulta de uma obra de minúcia, de uma verdadeira perícia de relojoeiro ao longo de milhões de anos.


in: Deus Cérebro, de Anabela Almeida e António José de Almeida, Oficina do Livro, Lisboa, Fevereiro 2023