Aguarelas Finas, Le Corbusier | Maison La Roche, Paris

25 abril 2012

Mário de Sá-Carneiro | Loucura

… Assim, uma manhã, falava-lhe eu dos mais famosos livros de amor; bordava comentários sobre a comovente Manon, sobre o assombroso Werther, sobre a romântica Dama das Camélias. Citava o Dante, Camões, Petrarca; fantasiava um episódio lírico, no qual - à luz do luar - deslizassem por diante dos olhos de dois noivos, todos os amores célebres - desde Helena e Páris, até à Safo e a João Gaussin. O meu amigo, que parecia interessado, soltou repentinamente uma gargalhada estrídula clamando:
- Tudo isso são idiotices … o amor? Pf … Mas que vem a ser o amor?
Uma necessidade orgânica, nada mais.
Para obrar, podemo-nos servir de um vaso de louça; para amar precisamos de um recipiente de carne …
O Dante, o Camões zarolho … Bolas! … Patetinhas alambicados, imbecis versejadores … Tu, provavelmente, meu patarata, não foges à regra geral: vais para aí, ao lusco-fusco, dizer mil banalidades a qualquer burguesinha sensual e camafeu …
Resistes, a pé firme, ao vento e à chuva, hein? … Pobre de espírito! Felizardo … Irás para o reino dos céus: Ah! Ah! …
Vendo a conversação tomar um tal rumo, calei-me. Eu, nestas circunstâncias, calava-me sempre…
(…)
- Foi por isso justamente que me armei em escultor: faço estátuas. As minhas estátuas não são como as outras, meu velho, têm vida … Vida, percebes? … Em vez de fazer carne com a minha carne, faço vida com as minhas mãos; isto é, com o meu cérebro, que as conduz. Faço vida, o tempo passa sobre as minhas estátuas, não passa sobre mim …
Tinha razão. Mostrou-me as suas obras. Essas esculturas, viviam … Mármore de uma factura genial, assombrosa …
Obras-primas, sem dúvida; mas umas obras-primas singulares, por vezes disparatadas no belo …
Rico, não fizera da sua arte um ramo de comércio. Por isso, tanto mais lhe reconheciam o talento: Raul Vilar, o moço escultor, seria célebre dentro em pouco.
Indaguei pormenorizadamente da sua vida. Nela continuava a não aparecer nenhuma mulher. Quando lhe perguntei, por rodeios, exclamou:
- Pateta … mulheres? Para quê? Não tenho as minhas estátuas, não tenho mármore? … Dizem vocês os literatos cretinos, descrevendo o corpo de uma mulher ideal: "As suas pernas bem torneadas e nervosas, eram duas colunas de rijo mármore; o seu colo, alabastro puro."
Sim, apesar da vossa grande imbecilidade, vocês compreendem que a suprema beleza da carne está em parecer pedra … Ora eu tenho pedra; para que hei-de querer carne, pateta? E a dizer isto, acariciava os seios de uma maravilhosa dançarina grega.
Pensando em Raul, dizia para mim próprio: "Será apenas um original que se deseja salientar, que faz gala nas suas originalidades; ou será um louco?"

in: Mário de Sá-Carneiro, Loucura, Publicações Europa-América, pp. 8-9.

14 abril 2012

Antonio Tabucchi | Os últimos três dias …

Só falei do tempo que passa

Que horas eram? Pessoa não sabia. Seria noite? O dia já se teria levantado?
A enfermeira veio e deu-lhe outra injecção.
Pessoa já não sentia a dor do lado direito.
Estava agora numa paz estranha, como se um nevoeiro tivesse descido sobre ele.

in: Antonio Tabucchi, Os Últimos Três Dias de Fernando Pessoa, Quetzal, Lisboa, 1995, p. 29

10 abril 2012

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Uma Bela Imagem!
Obrigado.