Aguarelas Finas, Le Corbusier | Maison La Roche, Paris

27 fevereiro 2021

Renasci - Obra/Poema


Já não sei se morri se nasci.

Já não sei se sou deste Planeta.

Ou, são os outros.

E, eu sou de outro.

Só sei que não sei para onde ir.


in: Renasci - Obra/Poema, de Ana Paula Gaspar, Serra do Louro, Portugal, 27 de Fevereiro 2021.

Obra: Linhas de Percurso Pessoal, Caneta sobre Papel, Janeiro de 2021

15 fevereiro 2021

Sentir e Saber | António Damásio

Esta abordagem começa com esses mesmos fenómenos mentais, quando nos empenhamos em observá-los usando a introspecção e anotando o que observamos. A introspecção tem os seus limites mas não tem nem rivais nem substitutos. Oferece-nos a única perspectiva direta sobre fenómenos que queremos entender e serviu memoravelmente os génios de William James, Sigmund Freud, Marcel Proust e Virginia Woolf. 

Os resultados da introspecção podem ser hoje enriquecidos pelos dados obtidos por diversos métodos que também visam fenómenos mentais mas que os investigam obliquamente e se dirigem a (1) manifestações comportamentais e (2) correlações biológicas, neurofisiológicas, físico-químicas e sociais. (…) Os textos que se seguem resultam da combinação destas abordagens com a introspecção. 

… há quatro mil milhões de anos. Mas a vida evoluiu sem palavras e sem pensamentos, sem sentimentos e sem raciocínio, desprovida de mentes e de consciência. Não obstante, os organismos vivos detetavam a presença de outros como eles e detetavam diversos elementos do seu ambiente. (…) Podemos dizer que «detetar» é uma forma primitiva de «sentir» e que resulta numa forma primitiva de «saber». Ainda mais curioso, os organismos vivos reagiam com inteligência ao que detetavam. Essa sua inteligência não se baseava na forma de conhecimento explícito que as nossas mentes empregam hoje em dia, dependendo, isso sim, de uma competência oculta que visava única e exclusivamente a sobrevivência. Esta inteligência não-explícita estava encarregue da curadoria da vida, gerindo-a de acordo com as regras e os regulamentos da homeostasia. 

… o objetivo da vida é a sobrevivência e a maneira mais lógica de conseguir sobreviver é seguir os ditames da homeostasia, o conjunto de procedimentos reguladores que possibilitam a vida logo quando esta floresceu nos primeiros organismos unicelulares. A seu tempo, quando os organismos multicelulares e multissistema entraram na moda - há cerca de três mil e quinhentos milhões de anos - a homeostasia passou a contar com a ajuda de dispositivos coordenadores recém-evoluídos e conhecidos como sistemas nervosos. Estava aberto o caminho para que esses sistemas nervosos passassem a gerir ações e a mapear estruturas e seguir-se-iam as imagens, e assim se deu origem às mentes. Centenas de milhares de anos depois, a homeostasia começou a ser regida em parte por essas mentes, essas mentes capazes de sentir e dotadas de consciência, que os sistemas nervosos haviam, entretanto, possibilitado. Os sentimentos, por um lado, e o raciocínio criativo, por outro, viriam a desempenhar papéis importantes na nova gerência da vida permitida pela consciência. (…)

No ramo da história da vida em que nos encontramos podemos identificar três fases evolutivas distintas e consecutivas. A primeira fase teve como auge o ser. A segunda é dominada pelo sentir (o sentir que se constrói com sentimentos e não com a mera possibilidade de detetar aquilo que nos rodeia). A terceira fase é definida pelo processo do saber. Curiosamente, algo de semelhante a essas três fases acontece na mesma sequência em todos os seres humanos contemporâneos. (…)

Somos marionetas nas mãos da dor e do prazer, ocasionalmente libertados pela nossa criatividade. (…)

Assim sendo, a consciência é um estado mental particular que resulta de um processo biológico com múltiplos contribuidores. O funcionamento do interior do corpo, dado a conhecer através do sistema nervoso interocetivo, fornece o componente do sentimento, ao passo que as outras operações do sistema nervoso central fornecem a imagética que descreve o mundo em torno do organismo bem como a sua estrutura musculosquelética. (…) Mente e corpo são co-proprietários exclusivos, absolutos e notorizados deste magnífico conjunto.

… nem todos os estados mentais são necessariamente conscientes. Vejo a consciência como um estado mental enriquecido. (…) São os sentimentos que trazem à mente os factos através dos quais sabemos, de imediato, que aquilo que naquele momento temos na mente nos pertence e nos está a acontecer. Os sentimentos permitem-nos experienciar e tornarmos-nos conscientes. (…)

Aquilo que começa a dar origem à consciência é o enriquecimento da mente com o tipo de conhecimentos que apontam para o organismo como sendo proprietário dessa mente. (…)

A consciência não emerge só porque o conteúdo foi integrado apropriadamente. O resultado da integração é o alargamento da capacidade mental mas a consciência não tem a ver com a quantidade dos conteúdos mentais, mas sim com o significado de certos conteúdos. Aquilo que começa a dar consciência ao meu conteúdo mental é a identificação de mim próprio como dono dos presentes conteúdos mentais. 

(…)

in: Sentir & Saber - A caminho da Consciência, de António Damásio, Círculo de Leitores (Temas e Debates), Lisboa, 2020