Aguarelas Finas, Le Corbusier | Maison La Roche, Paris

26 maio 2014

O Estúdio | Alberto Giacometti

Zona secreta, solidão onde se refugiam os seres - e as coisas - é ela que dá beleza à rua: por exemplo, se for sentado num autocarro basta olhar pela janela. A rua cede o que o autocarro devassa. Sigo demasiado depressa para ter tempo de reter rostos ou gestos, a velocidade exige do meu olhar igual velocidade, e por isso nem um rosto, um corpo, ou atitude sequer, me esperam: tudo está ali a nu. Registo: um homem enorme, curvado, muito magro, peito escavado, óculos, o nariz comprido; uma dona-de-casa gorda caminha lentamente, pesada, triste; um velho sem graça, uma árvore solitária, ao lado outra árvore solitária, e outra… um empregado, outro, uma multidão de empregados, a cidade inteira cheia de empregados curvados, todos juntos num pormenor que os meus olhos registam: bocas crispadas, ombros caídos… uma a uma, talvez devido à velocidade dos meus olhos e do veículo, as suas atitudes ficam rabiscadas tão depressa, tão rápido surpreendidas em seu arabesco, que cada ente é-me revelado no que tem de novo e insubstituível - invariavelmente uma ferida - graças à solidão onde essa ferida os coloca e eles mal reconhecem, se bem que todo o seu ser aí aflua…

in: O Estúdio de Alberto Giacometti, de Jean Genet, p. 35.

21 maio 2014

João da Câmara Leme | Designer


Uma linha recta
Convicta e correcta
é um grito de linha
que chega ao infinito

é a única estrada
que não vai dar a nada!

Um segmento de recta
pode parar na esquina
subir uma parede
beijar uma menina

Por sobre os longos campos
e o vale em flor e o mar,
desenhada pelo vento
lá vai ela a passar…

Um segmento de recta
pode ter alegria

pode subir às árvores
e num raio de luz
descer até ao chão
anunciando o dia!

in: Exposição de design gráfico, do Designer João da Câmara Leme, Museu das Tapeçarias de Portalegre, Maio.2014
Ver: https://almanaquesilva.wordpress.com/category/joao-da-camara-leme/?blogsub=confirming#subscribe-blog

04 maio 2014

Ser | Solitário

Acompanhado da fragilidade pós-moderna em todos os âmbitos da sociedade, os relacionamentos são mais uma questão a trazer angústia para indivíduos esvaziados e que vão buscar em um parceiro um alento para satisfazer suas frustrações. Mas que não sabem mais como se relacionar.
Segundo Arthur Schopenhauer, a felicidade vem de uma forma de vida auto-suficiente, e ainda segundo André Comte Sponville que diz que mesmo o amor a dois deve ser solitário.
Então, será que estar sozinho não pode ser uma opção, uma escolha? Não existe um meio-termo entre um relacionamento ortodoxo e um estilo de vida hedonista conhecido como "vida de solteiro"?
Não estar acompanhado de um parceiro parece estranho aos olhos da sociedade. Isso pode se dever ao facto de inúmeros exemplos no nosso quotidiano, seja no cinema, em letras de música, no senso comum, ou nas obras de autoajuda, em que proliferam abordagens simplórias sobre o amor e que alimentam ainda mais as frustrações de relacionamentos por oferecer visões distorcidas e incentivar um posicionamento romântico e raso sobre o tema. (…) A solidão não é outra possibilidade? E outros tipos de comportamentos em diferentes momentos da vida? Calma, tempo para si, contemplação… relacionamentos distintos, com outros contornos, não seriam válidos? (…)
Tratando-se do amor, especificamente, ele defendia que, em função da vontade, ambicionamos preservar a espécie. O amor, nessa esteira, seria uma ilusão: "Nenhuma união é tão infeliz quanto esses casamentos por amor - e precisamente pelo facto de que o seu objectivo é a perpetuação da espécie, e não o prazer do indivíduo". "Só um filósofo pode ser feliz no casamento, e os filósofos não casam". O verdadeiro mote, por trás da vontade de reproduzir, seria, em suma, a preservação da espécie, e para isso, "cada qual procura um companheiro que vá neutralizar seus defeitos, para que esses não sejam transmitidos".  

Amor e Relacionamento Versus Felicidade, in: Filosofia, Ano VII, Nº 76, Novembro 2012, pp. 14 a 23.