Aguarelas Finas, Le Corbusier | Maison La Roche, Paris

22 junho 2014

William Morris | Casa da Cerca





Padrões de William Morris (1834 - 1896), um dos fundadores do movimento de Artes e Ofícios. Artista inglês, escritor e poeta.

in: Casa da Cerca, Almada, Portugal, Junho de 2014.

09 junho 2014

O Donjuanismo

Se amar fosse bastante, as coisas seriam simples de mais.
Quanto mais amamos mais o absurdo se consolida. Não é por falta de amor que Don Juan vai de mulher em mulher. É ridículo representá-lo como um iluminado, em busca do amor total. Mas é porque ele as ama com idêntico entusiasmo e sempre com inteireza, que lhe é necessário repetir esse dom e esse aprofundamento. Daí todas esperarem ofertar-lhe aquilo que nunca ninguém lhe deu. De todas as vezes se enganam profundamente e só conseguem fazer-lhe sentir a necessidade de tal repetição. «Finalmente - exclama uma delas - dei-te o amor.» E há quem se espante por Don Juan sorrir dessa ingenuidade. «Finalmente, não - diz ele - mas uma vez mais.» Porque seria necessário amar raramente para amar muito?
(…)
Não saber alegrar a alma já era vendê-la. Don Juan domina, pelo contrário, a saciedade. Se deixa uma mulher, não é em absoluto porque já não a deseja. Uma mulher bela é sempre desejável. É, sim, porque deseja outra, e, de facto, não se trata da mesma coisa.
Esta vida satisfá-lo, nada pior que perdê-la. Esse louco é um grande sábio. Mas os homens que vivem de esperança dão-se mal neste universo, onde a bondade cede o seu lugar à generosidade, a ternura ao silêncio viril, a convulsão à coragem solitária. E todos dizem: «Era um fraco, um idealista ou um santo.» Assim se minimiza a grandeza que insulta.
(…)
O inferno para ele é coisa que o provoca. Só tem uma resposta para dar à cólera divina, e é a honra humana: «Tenho honra - disse ele ao Comendador - e, cumpro a minha promessa porque sou cavaleiro.» Mas seria igualmente erróneo querer fazer dele um moralista. Pois ele é, a esse respeito, «como toda a gente»: tem a moral da sua simpatia ou da sua antipatia.
(…)
Seduzir é o seu estado. (…) O que Don Juan põe em acto é uma ética da quantidade, ao contrário do santo, que tende para a qualidade. Não acreditar no sentido profundo das coisas é próprio do homem absurdo. Percorre esses rostos calorosos ou maravilhados, enceleira-os e queima-os. O tempo avança com ele. O homem absurdo é aquele que não se separa do tempo. Don Juan não pensa em «coleccionar mulheres». Esgota-lhes o número e com elas esgota as suas possibilidades de vida. Coleccionar é ser capaz de viver do seu passado. Mas ele recusa a saudade, essa outra forma de esperança. Não sabe olhar os retratos.
Será por isso egoísta? À sua maneira, sem dúvida. Mas ainda nesse ponto, temos que nos entender. Há aqueles que são feitos para viver e os que são feitos para amar. Don Juan, pelo menos, di-lo-ia de boa vontade. Mas di-lo-ia metendo por um atalho, à sua maneira. Porque o amor de que aqui se fala é enfeitado com as ilusões do eterno. Todos os especialistas da paixão no-lo dizem, não há amor eterno, a não ser contrariado. Não existe paixão sem luta. Tal amor só encontra fim na derradeira contradição, que é a morte. É preciso ser Werther ou nada. Ainda aí, há várias maneiras de alguém se suicidar, uma das quais é o dom total e o esquecimento de si próprio.
(…)
Só chamamos amor àquilo que nos liga a certos seres, em referência a um modo de ver colectivo, de que são responsáveis os livros e as lendas. Mas do amor só conheço essa miniatura de desejo, de ternura e de inteligência que se liga a determinado ser. Esse composto não é o mesmo em relação a outra qualquer criatura. (…) O homem absurdo ainda multiplica aqui aquilo que não pode unificar. Assim, descobre nova maneira de ser, que pelo menos, liberta tanto quanto liberta os que dele se aproximam. Não há amor generoso, a não ser aquele que ao mesmo tempo se sabe passageiro e singular.

in: O Mito de Sísifo, de Albert Camus, Editora Livros do Brasil, pp. 76 a 80.

04 junho 2014

A Liberdade Absurda


Viver é fazer viver o absurdo.
Fazê-lo viver é, antes de mais, olhá-lo. Ao contrário de Eurídice, o absurdo só morre quando dele nos afastamos, sem voltar a cara para trás. Uma das únicas posições filosóficas coerentes é, assim, a revolta. Ela é um confronto perpétuo do homem e da sua própria obscuridade. É a exigência de uma impossível transparência. Equaciona o problema do mundo a cada segundo. Tal como o perigo fornece ao homem possibilidades insubstituíveis de tomada de consciência, assim a revolta metafísica dilata a consciência ao longo da experiência. É a presença constante do homem em si próprio. Não é aspiração, pois é sem esperança. Esta revolta não passa da certeza de um destino esmagador, mas sem a resignação que deveria acompanhá-la.

in: O Mito de Sísifo, de Albert Camus, p. 59 e 60.