Aguarelas Finas, Le Corbusier | Maison La Roche, Paris

25 setembro 2014

O Jardim | Poema


O jardim é o meu refúgio
As árvores protegem
As flores sorriem
Os pássaros cantam
As plantas salpicam a terra

Tudo enquanto descanso
As folhas que se soltaram esvoaçam por ali
Tudo tranquilo
O ritmo da vida na Terra é sereno

Só nós corremos contra o vento
Corremos contra nós mesmos
Corremos para uma morte anunciada

O jardim esse adapta-se
Congratula-se pelas estações do ano
Veste-se e despe-se naturalmente
Deixa-se estar
Vive simplesmente.

17 setembro 2014

Simples Diários Complexos | Edgar Morin

Opor questões científicas com humanistas, para Morin, é perder dos dois lados. Vivemos em um mundo onde nunca se disseminou tanto conhecimento e, por isso, articular as diferentes áreas nunca foi tão necessário, segundo o filósofo. Justamente pelo facto de o mundo ter ficado mais complexo, Morin busca novas estruturas mentais de compreensão desse novo universo, formas alternativas de integração.
(…)
Quando se escreve um livro vira uma testemunha.
(…)
Há muitas razões: para os críticos, os escritores, os filósofos, os sociólogos, eu sou uma espécie de camaleão, não sou um escritor, não sou um filósofo, um sociólogo, não tenho forma, não tenho etiqueta, logo não inspiro interesse. Então, uma maneira de fazer as minhas ideias serem conhecidas é fazê-las passar também pelas entrevistas. Me sinto um pouco obrigado a dar entrevistas.
(…)
Bom, para começar a curiosidade é própria das crianças, mas se os professores não têm paixão, se estão entediados, acabam arrefecendo a curiosidade delas. Creio que há dois problemas: uma coisa que diria Platão é que para ensinar é necessário amor, paixão. Essas condições não estão num manual, porém são fundamentais; o segundo problema é que precisamos relacionar as disciplinas múltiplas. Se você fizer a seguinte pergunta: "o que é ser humano?" Essa é uma pergunta sobre os diversos saberes que temos em relação ao ser humano. Eu vejo que as ciências humanas estão dispersas, a Psicologia, a Sociologia. Também temos os conhecimentos que nos dá a Literatura, porque ela nos ensina sobre o ser humano. Podemos pensar também na Biologia… Se você ensina o que é o ser humano aos seus alunos, você os cativa. Eu acho que uma ciência muito interessante é a História.
(…)
Bom, a complexidade foi formulada pela primeira vez entre matemáticos, engenheiros e cibernéticos. … Eu creio que nós estamos numa época em que a complexidade se impõe sobre a compartimentação. É um novo caminho para o mundo, para o ensino. Isso já acontece em alguns países da América Latina, o Brasil, por exemplo. Sobretudo é necessária uma mudança de estrutura mental.
(…)
É muito difícil definir a inteligência porque não é um quociente individual. A inteligência é um conjunto de qualidades muito diferentes porque necessita de capacidades de síntese, de análise e, no mínimo, de capacidade reflexiva e autocrítica. A inteligência necessita também de sensibilidade, porque a razão fria é muito limitada, mas uma paixão sem razão é muito limitada também. É necessária a mistura de razão e paixão. Então penso que a inteligência não tem uma definição simples. Há uma complexidade de elementos que permitem a inteligência. Há outra coisa que ultrapassa a inteligência, que é a capacidade de criar. A criatividade é algo em que é preciso capacidade intelectual, mental, cerebral. A possibilidade de fazer uma combinação nova, de fazer descobertas novas também exige inteligência. … Então, a inteligência é a capacidade de admiração, de se inquietar, a curiosidade… muitas coisas se somam à inteligência, é um coktail, e quando bem feito é como uma boa caipirinha.

in: Simples Diários Complexos, Edgar Morin por Sérgio Mélega, Revista Filosofia, Nº 78, 2013, pp. 5 a 13.

10 setembro 2014

No Teu Deserto | Miguel Sousa Tavares

… tu foste tomar banho em primeiro lugar. E porque a porta da casa de banho não encostava bem - e não sei se reparaste nisso - de onde eu estava, estirado na cama, a repousar das oito horas ao volante mais o resto, vi-te a despir, a ficares toda nua e a entrares na banheira de água quente e nem por um momento me ocorreu deixar de o fazer. Estava cansado de mais para desviar o olhar.
(…)
Dormias profundamente, com a cara virada para mim e a tua mão direita pousada sobre o meu ombro. Como se fôssemos íntimos.
(…)
- Claudia, desculpa se te tratei mal: estava muito cansado. Mas, por favor, vem para a tenda!
O meu querido companheiro do deserto!
(…)
- Vira-te de costas, que me vou despir.
Mas, depois, veio e deitou-se abraçada a mim. Ou assim me pareceu.
(…)
Sim, é verdade: eu encostei-me a ti e abracei-te, nessa primeira noite na nossa tenda, no camping de Ghardaia, quando nos deitámos as duas horas que faltavam antes de partirmos para o deserto.
Encostei-me a ti e abracei-te sem sequer pensar no que estava a fazer: apeteceu-me, senti que não havia nenhuma razão para não o fazer. O teu cansaço comoveu-me e a tua delicadeza, ao deixares tanto espaço livre para mim ao lado do teu saco-cama, foi irresistível.
(…)
- Claudia, não precisas de falar só porque vamos calados. A coisa mais difícil e mais bonita de partilhar entre duas pessoas é o silêncio.
(…)
- Mas tu não poupas as palavras: tu escreves. Todas as noites gastas uma hora a escrever um diário nesse teu caderno…
(…)
Não me acordes agora, não me fales alto antes de me falares ao ouvido, não me tragas de volta do deserto.
(…)
- Sabes apetecia-me estar lá, no deserto. Não consegui ainda habituar-me a isto.
- Tens de te habituar. A vida é assim mesmo, nada dura para sempre. Só os rios e as montanhas, como diziam os índios da América.
(…)
Sem que eu tivesse de pensar em nada quando acordava, sem ter de planear os dias, de encher os dias, de enganar o vazio de tudo. Era isso, meu querido, mais do que tudo, que me dava essa incrível sensação de conforto, de segurança. Eras tu: tu estavas ali, tu tinhas tudo planeado e pensado e, por mais insuportável que às vezes me parecesse essa tua obsessiva organização e teimosia, por mais que tantas vezes te contrariasse só para te ver irritado ou para simular uma revolta que de todo não sentia nem queria que sentisses, esses foram os dias inesquecíveis em que soube que alguém cuidava de mim, que alguém me tinha pegado na mão e me conduzia por onde não havia nada - nem estradas, nem casas … nem árvores … - e a minha única tarefa era deixar-me conduzir por ti, entre a lucidez e o sonho.
(…)
Já sei, já sei que nada dura para sempre - só as montanhas e os rios, meu sábio.

in: No Teu Deserto, de Miguel Sousa Tavares, Oficina do Livro, Lisboa, 2009, p. 54, 62, 73, 89, 91, 97, 100, 105, 107, 108, 111.

05 setembro 2014

Quando as Paixões Ultrapassam a Razão | Daniel Goleman

(…) Mal-grado estas restrições sociais, as paixões estão permanentemente a sobrepor-se à razão. Esta constante da natureza humana decorre da arquitectura básica da vida mental. Em termos de concepção biológica do circuito neuronal de emoções básico, aquilo com que nascemos é o resultado melhor para as últimas 50 000 gerações humanas. As forças lentas e deliberadas da evolução que moldaram as nossas emoções fizeram o seu trabalho ao longo de um milhão de anos; os últimos 10 000 - apesar de terem assistido à rápida ascenção da civilização humana e à explosão da população de cinco milhões para cinco biliões - quase não deixaram marca nas nossas matrizes biológicas para a vida emocional.
Para o melhor ou para o pior, a nossa avaliação de cada encontro pessoal e as nossas respostas a estes encontros não são determinadas apenas pelo nossos juízos racionais ou a nossa história pessoal, mas também pelo nosso passado ancestral. (…) Em resumo, muito frequentemente confrontamos dilemas pós-modernos com um repertório emocional feito à medida das exigências do Pleistoceno.

in: Inteligência Emocional, de Daniel Goleman, p. 27.