Aguarelas Finas, Le Corbusier | Maison La Roche, Paris

21 abril 2014

O Suícidio Filosófico

Existe um facto evidente que parece absolutamente moral: é que o homem é sempre a presa das suas verdades. Uma vez reconhecidas, não pode libertar-se delas. É preciso pagar esse preço. Um homem que se torna consciente do absurdo fica-lhe ligado para todo o sempre. O homem sem esperança e consciente disso, já não pertence ao futuro. Isso está na ordem natural das coisas. Mas também está na ordem natural das coisas que ele faça esforços para escapar ao universo de que é o criador.

in: O Mito de Sísifo, de Albert Camus, Editora Livros do Brasil, p. 41.

16 abril 2014

As Paredes Absurdas

Eis umas árvores e eu conheço-lhes a rugosidade, eis a água e eu conheço-lhe o sabor. Estes perfumes de erva e de estrelas, a noite, certas tardes em que o coração se dilata, como negar esse mundo cujo poder e cujas forças experimento? No entanto, toda a ciência desta terra não me dará nada que possa certificar-me de que este mundo é meu. As pessoas descrevem-mo e ensinam-me a classificá-lo. Enumeram as suas leis e eu, na minha sede de saber, consinto em que elas sejam autênticas. Demonstrem o seu mecanismo, e a minha esperança aumenta. Por fim, ensinam-me que este universo prestigioso e matizado se reduz ao átomo, e que o próprio átomo se reduz ao electrão. Tudo isto é bom e espero que continuem. Mas falam-me de um invisível sistema planetário, onde os electrões gravitam em redor de um núcleo. Explicam-me este mundo com uma imagem. Reconheço então que os homens se embrenharam pela poesia: Jamais «conhecerei« nada disso. Terei sequer tempo de me indignar? Já mudaram de teoria. Assim, essa ciência que devia ensinar-me tudo, acaba na hipótese, essa lucidez cai na metáfora, essa incerteza resolve-se em obra de arte. Que precisão tinha eu de fazer tantos esforços? As linhas suaves dessas colinas e mão da tarde no meu coração agitado ensinam-me muito mais. Volto ao princípio.
[...]
Estranho a mim próprio e a esse mundo, unicamente armado de um pensamento que se nega a si próprio logo que se afirma, que condição é essa em que só posso ter paz recusando-me a saber e a viver, em que o apetite de conquista vai de encontro a paredes que desafiam os seus assaltos? Querer é suscitar paradoxos. Tudo está ordenado para que essa paz envenenada que resulta da negligência, do sono do coração ou das renúncias mortais.
A inteligência também me diz, a seu modo, que este mundo é absurdo.
[...]
Negam a sua verdade profunda, que é a de estar acorrentado. Nesse universo indecifrável e limitado, o destino do homem toma, daí em diante, o seu sentido. Ergueu-se um povo de irracionais, que o cerca até ao seu fim derradeiro.

in: O Mito de Sísifo, de Albert Camus, p. 30 e 31.

03 abril 2014

O Absurdo e o Suicídio


Na afeição de um homem pela vida há qualquer coisa de mais forte que todas as misérias do mundo. O julgamento do corpo vale bem o do espírito, e o corpo recua ante o aniquilamento. Ganhamos o hábito de viver, antes de adquirirmos o de pensar. Nesta corrida, que todos os dias nos precipita um pouco mais para a morte, o corpo guarda esse avanço irreparável. Enfim, o essencial de tal contradição reside naquilo a que chamarei a esquiva, porque ela é, ao mesmo tempo, menos e mais do que a diversão no sentido pascaliano. A esquiva mortal, que constitui o terceiro tema deste ensaio, é a esperança. Esperança noutra vida que é necessário «merecer», ou batota dos que vivem, não pela própria vida mas por qualquer grande ideia que a ultrapassa, a sublima, lhe dá um sentido e a atraiçoa. (…)
É preciso afastar tudo e ir direito ao verdadeiro problema. As pessoas matam-se porque a vida não vale a pena ser vivida, eis uma verdade, sem dúvida - infecunda, no entanto, porque é truísmo. (…)
A reflexão sobre o suicídio dá-me, então, ocasião de apresentar o único problema que me interessa: haverá uma lógica até à morte? Só posso sabê-lo prosseguindo, sem paixão desordenada, à luz única da evidência, o raciocínio cuja origem aqui indico. É aquilo a que chamo um raciocínio absurdo. Muitos o começaram. Ainda não sei se o respeitaram.

in: O Mito de Sísifo, de Albert Camus, pp. 19 e 20.