Aguarelas Finas, Le Corbusier | Maison La Roche, Paris

03 abril 2014

O Absurdo e o Suicídio


Na afeição de um homem pela vida há qualquer coisa de mais forte que todas as misérias do mundo. O julgamento do corpo vale bem o do espírito, e o corpo recua ante o aniquilamento. Ganhamos o hábito de viver, antes de adquirirmos o de pensar. Nesta corrida, que todos os dias nos precipita um pouco mais para a morte, o corpo guarda esse avanço irreparável. Enfim, o essencial de tal contradição reside naquilo a que chamarei a esquiva, porque ela é, ao mesmo tempo, menos e mais do que a diversão no sentido pascaliano. A esquiva mortal, que constitui o terceiro tema deste ensaio, é a esperança. Esperança noutra vida que é necessário «merecer», ou batota dos que vivem, não pela própria vida mas por qualquer grande ideia que a ultrapassa, a sublima, lhe dá um sentido e a atraiçoa. (…)
É preciso afastar tudo e ir direito ao verdadeiro problema. As pessoas matam-se porque a vida não vale a pena ser vivida, eis uma verdade, sem dúvida - infecunda, no entanto, porque é truísmo. (…)
A reflexão sobre o suicídio dá-me, então, ocasião de apresentar o único problema que me interessa: haverá uma lógica até à morte? Só posso sabê-lo prosseguindo, sem paixão desordenada, à luz única da evidência, o raciocínio cuja origem aqui indico. É aquilo a que chamo um raciocínio absurdo. Muitos o começaram. Ainda não sei se o respeitaram.

in: O Mito de Sísifo, de Albert Camus, pp. 19 e 20.