Aguarelas Finas, Le Corbusier | Maison La Roche, Paris

22 janeiro 2014

Como foi …

Como foi na tarde o nosso abraço
Perfeito circular
Abrigo?
De manso rodeámos outras ilhas de certezas
E promessas: fomos plantando uma árvore
Em cada nosso olhar
E destruímos os medos os contornos
De nossos medos. Depois
Fomos de braços vazios a avenida
Andar conversar
Ou só olhar.
Não inventámos histórias não quisemos
Razões
Não discutimos alamedas
Nem futuros
Não nos ligámos às juras nem aos projectos
Nem ao menos quisemos percorrer
Os íntimos continentes
Ao fim do encontro amigo:
Como foi na tarde o nosso abraço
Circular perfeito
Abrigo!

in: Sem Título, de João David Pinto Correia, Madeira (ilha portuguesa)

20 janeiro 2014

Depressão | Vírus

Os mapas relacionados com a mágoa, tanto no sentido estreito como largo da palavra, estão associados a estados de desequilíbrio funcional. A facilidade da acção reduz-se. Nota-se a presença da dor, de sinais de doença ou de sinais de desacordo fisiológico, todos eles indicando uma coordenação diminuída das funções vitais. Se a mágoa não é corrigida seguem-se a doença e a morte.
(…)
De acordo com o que Espinosa disse quando discutiu a noção de tristitia, os mapas da mágoa estão associados a uma transição do organismo para um estado de menor perfeição. O poder e a liberdade de atuar reduzem-se. Na perspectiva espinosiana, a pessoa invadida pela tristeza é separada do seu conatus, é separada da sua tendência natural para a autopreservação. Esta descrição aplica-se, por certo, aos sentimentos que se encontram nas depressões graves e às suas consequências últimas no suicídio. A depressão pode ser vista como uma parte de uma «síndroma de doença». Os sistemas endócrinos e imunológicos participaram na depressão crónica tal como se um agente patogénico, por exemplo uma bactéria ou um vírus, tivesse invadido o organismo. De forma isolada, momentos de tristeza, medo ou zanga não precipitam a espiral de deterioração da doença. Contudo, toda e cada ocasião de emoção negativa coloca o organismo num estado marginal. Quando a emoção é o medo, esse estado marginal pode ter vantagens - desde que o medo seja justificado e não seja o resultado de uma apreciação incorrecta da situação, ou sintoma de uma fobia. O medo justificado é uma excelente apólice de seguros, que tem salvado ou melhorado muitas vidas.

in: Ao Encontro de Espinosa, de António Damásio, p. 153.

14 janeiro 2014

Fado do Amor | José Régio

Passaste por mim um dia,
Eras mulher e criança,
Tinhas uma expressão mansa
Coma de triste alegria…
Luz do luar, luz do dia,
Luz do céu do amanhecer,
Que luz posso eu conceber
Que teu sorriso não desse,
Teu olhar não recolhesse,
Eras criança e mulher…?

Passaste por mim, passaste
Num dia da minha vida,
E hora jamais esquecida,
Em que ambos dois resgataste,
Foi aquela em que deixaste
Teu olhar no meu cair,
A tua boca sorrir,
(Nem sei se me viste ou não…)
E a tua mansa expressão
Benzer todo o meu porvir!

Eras criança e mulher,
Tinhas petulante e doce,
Um jeito como se fosse
De quem quer dar, receber…
Eu começava a saber
Que era uma pobre criatura
Das que vivem na loucura
De redimir tudo, e todos,
E têm falas e modos
De altiva e triste figura…

Passaste, olhaste, sorriste,
Naquela semana inteira,
Com sempre a doce maneira
Como de alegria triste.
Nem sei, sequer, se me viste,
Não vou jurar que me vias
Depois passaram-se os dias,
A vida meteu-se ao meio,
Quanto havia de vir veio,
Fui-me embora e tu partias…

Há quantos anos foi!,
Pensas que pude esquecer-te?
Crês que deixei de rever-te
Na saudade que me dói?
Sim, já não sou esse herói
Vibrante e meditabundo
Que nada via no mundo
Senão luz dum mais-além…
Mas tu caíste também,
Qual de nós caiu mais fundo?
(…)

in: Fado, de José Régio, p. 43 e 44.

13 janeiro 2014

A Razão de eu escrever | Leonard Cohen

A razão de eu escrever
é fazer algo
tão belo como tu

Quando estou contigo
Quero ser o tipo de herói
que queria ser
quando tinha sete anos
um homem perfeito
que mata

in: Poemas e Canções, de Leonard Cohen, p. 235.