Aguarelas Finas, Le Corbusier | Maison La Roche, Paris

19 dezembro 2016

Roma, 23 de Dezembro de 1903 | Rainer Maria Rilke

Meu caro Senhor Kappus,
não há-de ficar sem uma saudação da minha parte, agora que estamos à beira do Natal, e numa altura em que o Senhor, em plena festividade, suporta a sua solidão mais dificilmente que o costume. Mas ao notar que ela é grande, regozije-se com isso; pois o que seria (pergunte-se a si mesmo) uma solidão que não tivesse grandeza; só há uma solidão, e essa é grande e não é difícil de suportar, e quase todos a experimentam horas em que muito gostariam de a trocar por uma qualquer convivência, por mais banal e desprezível que seja, pela aparência de uma limitada harmonia com o primeiro que apareça, com o mais indigno… Mas talvez sejam precisamente essas as horas em que a solidão cresce; porque o seu crescer é doloroso como o crescer dos adolescentes e triste como o começo das primaveras. Mas não permita que isso o desoriente. Aquilo que faz falta é apenas isto: solidão, grande solidão interior. Entrar dentro de si mesmo e não estar com ninguém durante horas, - é isso que é preciso ser capaz de alcançar.  Ficar solitário, como se ficava solitário em criança, enquanto os adultos andavam para cá e para lá, enredados em coisas que pareciam importantes e grandes, porque as pessoas grandes pareciam tão ocupadas e porque nada se compreendia dos seus afazeres.
E quando um dia se percebe que as suas ocupações são miseráveis, que as suas profissões são algo de entorpecido e que já não estão ligadas à vida, então por que motivo não havemos de continuar a olhá-las, à maneira das crianças, como coisa estranha, a partir da profundidade do nosso próprio mundo, a partir da distância da nossa solidão que é, ela mesma, trabalho e dignidade e profissão? Por que motivo querer trocar o sábio não entender de uma criança pelas atitudes defensivas e pelo desprezo, já que não-entender é um estar só, ao passo que a defensiva e o desprezo são participação naquilo de que uma pessoa quer separar-se à custa desses meios.
Pense, caro Senhor, no mundo que transporta em si, e chame a esse pensamento o que quiser; seja recordação da infância de cada um ou anseio pelo próprio futuro, - esteja somente atento ao que se ergue dentro de si e coloque-o acima de tudo aquilo de que se apercebe à sua volta. O seu acontecer mais interior merece todo o seu amor, é nele que tem de trabalhar, seja de que modo for, e não perder demasiado tempo e demasiada coragem a clarificar a sua atitude para com as pessoas. Afinal, quem é que lhe diz que tem uma atitude? (…)

in: Cartas a um jovem Poeta, de Rainer Marie Rilke, Antígona, 2016, p. 61 a 65.