Aguarelas Finas, Le Corbusier | Maison La Roche, Paris

14 dezembro 2014

A Vida | Nietzsche

Frederico-Guilherme Nietzsche nasceu em 1844, no presbitério de Roecken, numa região da Turíngia anexada à Prússia. Nietzsche foi educado em Naumburg, num meio feminino, com a sua irmã mais nova, Elisabeth. Ele era a criança prodígio; guardam as suas dissertações, os seus ensaios de composição musical. Faz os estudos em Pforta, depois em Bona e em Leipzig. Escolhe a filosofia contra a teologia. Mas já a filosofia o assombra, com a imagem de Schopenhauer, pensador solitário, podendo proceder do sofrimento, do mal-estar ou da angústia - apesar de o filósofo, o tipo de filósofo segundo Nietzsche, ter um excesso de sofrimento. Mas tão-pouco concebe a doença como um acontecimento que afecte de fora um corpo-objecto, um cérebro-objecto. Na doença, ele vê de preferência um ponto de vista sobre a saúde; e na saúde um ponto de vista sobre a doença. (…) A doença como avaliação da saúde, os momentos de saúde como avaliação da doença: tal é a "inversão", o "deslocamento das perspectivas", em que Nietzsche vê o essencial do seu método e da sua vocação para uma transmutação de valores. (…)
Em Nietzsche tudo é máscara. A sua saúde é uma primeira máscara para o seu génio; os seus sofrimentos, uma segunda máscara para o seu génio e para a sua saúde, ao mesmo tempo. Nietzsche não acredita na unidade de um Eu e não o experimenta: relações subtis de poder e de avaliação entre diferentes "eu" que se escondem, mas que exprimem também forças de outra natureza, forças da vida, forças do pensamento - tal é a concepção de Nietzsche, a sua maneira de viver. Wagner, Schopenhauer e até Paul Rée foram vividos por Nietzsche como as suas próprias máscaras. Depois de 1890, acontece que alguns amigos (Overbeck, Gast) pensam que a demência, para ele, é uma última máscara. Ele escrevera: "E, por vezes, a própria loucura é uma máscara que esconde um saber fatal e demasiado seguro." (…)
Em Nietzsche, sucedem-se, cada vez mais densas, as alternâncias de euforia e de depressão. Ora tudo lhe parece excelente: o alfaiate, o que come, o acolhimento das pessoas, a fascinação que julga exercer nas lojas. Ora o desespero o domina: a ausência de leitores, uma impressão de morte, de traição. (…)
Ao mesmo tempo, Nietzsche constrói de si mesmo uma imagem mundial cósmica provocadora "um dia a lembrança de qualquer coisa de formidável estará ligada ao meu nome", "só a partir de mim é que há a grande política na Terra"; mas também se concentra no momento, preocupa-se com um sucesso imediato. (…)
Diagnostica-se uma "paralisia progressiva". (…) Ora calmo ora em crise, parecendo ter esquecido toda sua obra, fazendo música ainda. A evolução da doença prosseguiu lentamente até à apatia e à agonia. Morre em Weimar em !900.

in: Nietzsche, de Gilles Deleuze, Edições 70, Biblioteca Básica de Filosofia, Lisboa, 2001