Aguarelas Finas, Le Corbusier | Maison La Roche, Paris

13 julho 2020

Inteligência Emocional | Daniel Goleman

A última década, mau grado todas as más notícias, assistiu igualmente a um grande surto de estudos científicos relacionados com a emoção. Particularmente espectaculares são os vislumbres do cérebro a funcionar, tornando possíveis pelos novos métodos, como as recentes tecnologias de visualização do cérebro. Estes processos vieram tornar visível, pela primeira vez na história da humanidade, aquilo que sempre tinha sido uma fonte de profundo mistério: exactamente como esta intrincada massa de células funciona enquanto pensamos e sentimos, imaginamos e sonhamos. Esta vaga de dados neurobiológicos permite-nos compreender mais claramente que nunca como é que os centros de emoção do cérebro nos levam à raiva ou às lágrimas e como partes mais antigas desse cérebro, que tanto nos incitam à guerra como ao amor, podem ser canalizados para o melhor e para o pior. (…)
Para começar, o impulso é o meio através do qual a emoção se exprime; a semente de todo o impulso é um sentimento que quer traduzir-se em ação. Aqueles que estão à mercê do impulso - aos quais falta o autocontrole - sofrem de uma deficiência moral: a capacidade de controlar o impulso é a base da vontade e do carácter. Do mesmo modo, a raiz do altruísmo reside na empatia, na capacidade de ler as emoções dos outros; quem é incapaz de sentir as necessidades ou o desespero de outra pessoa, não pode amar. E se ha duas atitudes morais que os nossos tempos exigem, são precisamente estas, autodomínio e compaixão. (…)
A nossa herança genética dotou cada um de nós com um conjunto de estruturas emocionais que determinam o nosso carácter. Mas os circuitos do cérebro envolvidos são extraordinariamente maleáveis; o temperamento não é fatalidade. (…)
As nossas emoções, afirmam, guiam-nos quando temos de enfrentar situações e tarefas demasiado importantes para serem deixadas apenas a cargo do intelecto - perigo, grandes desgostos, persistir na prossecução de um objetivo mal-grado todas as frustrações, ligar-me-nos a um companheiro ou companheira, fundar uma família. (…) Para o melhor e para o pior, a inteligência pode não ter o mínimo valor quando as emoções falam. (…)
Tal como Freud descreve em O Mal-Estar da Civilização, a sociedade tem de impor do exterior regras destinadas a dominar as vagas de excesso emocional que surgem demasiado livremente no seu interior.
Mal-grado estas restrições sociais, as paixões estão permanentemente a sobrepor-se à razão. Esta constante da natureza humana decorre da arquitetura básica da vida mental. Em termos de concepção biológica do circuito neuronal de emoções básico, aquilo com que nascemos é o que resultou melhor para as últimas 50 000 gerações humanas, e não para as últimas 500, e certamente não para as últimas cinco. As forças lentas e deliberadas da evolução que moldaram as nossas emoções fizeram o seu trabalho ao longo de um milhão de anos; os últimos 10 000 - apesar de terem assistido à rápida ascensão da civilização humana e à explosão da população de cinco milhões para cinco biliões - quase não deixaram marca nas nossas matrizes biológicas para a vida emocional. (…)
A parte mais primitiva do cérebro, partilhada com todas as espécies que têm mais do que um sistema nervoso mínimo, é o tronco cerebral, que rodeia o topo da espinal medula. Este cérebro "de raiz" regula as funções básicas da vida, como respirar e o metabolismo dos outros órgãos do corpo, além de controlar as reações e movimentos estereotipados. (…) Este cérebro reinou como senhor absoluto durante a Era dos Répteis: imagine-se uma cobra a sibilar como sinal de uma ameaça de ataque. (…) Da raiz mais primitiva, o tronco cerebral, emergiram os centros emocionais. Milhões de anos mais tarde, a partir destas áreas emocionais, evoluiu o cérebro pensante, ou neocórtex, o grande bolbo de tecidos convolutos que constituem as camadas superiores. (…) Havia um cérebro emocional muito antes de aparecer o cérebro racional. 
A mais antiga raiz da nossa vida emocional reside no sentido do olfacto, ou mais precisamente, no lóbulo olfactivo, as células que captam e analisam os cheiros. (…) A partir do lóbulo olfactivo, começaram a evoluir os antigos centros da emoção … À medida que evoluía, o sistema límbico refinava duas ferramentas muito poderosas: a aprendizagem e a memória. (…)
Há cerca de 100 milhões de anos, o cérebro dos mamíferos deu um novo e grande salto em frente. Por cima das duas camadas gémeas do córtex - as regiões que planeiam, compreendem o que é sentido, coordenam os movimentos - foram acrescentadas várias novas camadas de células cerebrais, que vieram formar o neocórtex … O neocórtex do Homo sapiens, maior que o de qualquer outra espécie, trouxe consigo tudo o que é distintamente humano. O neocórtex é a sede do pensamento; contém os centros que integram e compreendem aquilo que os sentidos captam. Acrescenta a um sentimento aquilo que pensamos a respeito dele - e permite-nos ter sentimentos a respeito de ideias, arte, símbolos, imaginações. (…) À medida que subimos na escala filogenética, de réptil para macaco Rhesus para ser humano, aumenta a massa do neocórtex; este acréscimo determina um aumento em progressão geométrica das interligações dos circuitos cerebrais. Quanto maior é o número destas ligações, mais vasta a gama de respostas possíveis. O neocórtex é o responsável pelas subtilezas e complexidades da vida emocional, como a capacidade de ter sentimentos a respeito dos nossos sentimentos. (…)
As lágrimas, um sinal emocional único da espécie humana, são desencadeadas pela amígdala e por uma estrutura que lhe fica próxima, o gyrus cingulado; ser-se acariciado, abraçado ou de qualquer outra maneira confortado acalma estas áreas do cérebro, pondo fim ao choro. (…) A arte de nos acalmarmos a nós mesmos é uma habilidade fundamental da vida. (…) 
De todos os estados de espírito a que as pessoas procuram escapar, a raiva parece ser a mais intransigente; a ira é a mais sedutora das emoções negativas; (…) Ao contrário da tristeza, a raiva dá energia, é excitante. (…) Os benefícios intelectuais de uma boa gargalhada tornam-se sobretudo evidentes quando se trata de resolver um problema que exige uma solução criativa. (…) A realização criativa depende de uma imersão total e exclusiva. (…)
A empatia nasce da autoconsciência; quanto mais abertos formos às nossas próprias emoções, mais capazes seremos de ler os sentimentos dos outros.
Os custos emocionais, ao longo da vida, da falta de sincronização durante a infância podem ser muito pesados - e não apenas para a criança. (…) As emoções são contagiosas. (…) Em cada encontro que temos emitimos sinais emocionais, e esses sinais afectam quem está connosco. Quanto mais hábeis somos socialmente, melhor controlamos os sinais que emitimos …
Robert Ader, um psicólogo, descobriu que o sistema imunológico, a exemplo do cérebro, é capaz de aprender. (…) O sistema imunológico é, nas palavras do neurocientista Francisco Varela, da École Polytechnique de Paris, o cérebro do corpo, definindo-lhe o sentido de identidade própria - aquilo que lhe pertence e o que lhe é alheio. As células imunológicas viajam por todo o corpo através da circulação sanguínea, contactando com praticamente todas as outras células. Deixam em paz as que reconhecem, atacam as desconhecidas. Este ataque defende-nos contra os vírus, as bactérias e o cancro, ou, se as células imunológicas identificaram erradamente como "intrusas" outras células do próprio corpo, provoca uma doença auto-imunológica como uma alergia ou lúpus. (…) 
Acresce sons de silêncio à lista dos riscos emocionais para a saúde e inclua laços emocionais na lista dos factores protectivos. (…) O poder do isolamento como factor de risco de mortalidade - e o poder curativo das relações íntimas. (…)
A aprendizagem emocional começa nos primeiros momentos da vida e continua ao longo de toda a infância. (…)
A demonstração clássica do impacto da experiência no crescimento do cérebro foi feita por Thorsten Wiesel e David Hubel, ambos neurocientistas galardoados com o Prémio Nobel. Wiesel e Hubel demonstraram que no caso dos gatos e dos macacos há um período crítico, durante os primeiros meses de vida, para o desenvolvimento das sinapses que transportam sinais do olho até ao córtex visual, onde esses sinais são interpretados. (…) Nos seres humanos, o período crítico equivalente para a visão corresponde aos primeiros seis anos de vida. (…)
Os estudos com ratos 'ricos' e 'pobres' proporcionam-nos uma demonstração vívida do impacte da experiência no cérebro em desenvolvimento. Os ratos 'ricos' viviam em pequenos grupos em gaiolas bem fornecidas de 'divertimento para ratos', como escadas e rodas. Os ratos 'pobres' viviam em gaiolas iguais, mas vazias e desprovidas de qualquer espécie de diversão. Ao longo de um período de meses, o neocórtex dos ratos ricos desenvolveu uma rede muitíssimo mais complexa de circuitos sinápticos entre os neurónios; os circuitos neuronais dos ratos pobres eram, em comparação, muito mais esparsos. A diferença era tão grande que os ratos ricos tinham cérebros mais pesados e eram, talvez sem surpresa, mais hábeis do que os pobres a resolver problemas de labirintos. Experiências feitas com macacos resultaram nas mesmas diferenças entre 'ricos' e 'pobres' em experiência, e o mesmo efeito ocorre seguramente com seres humanos.  

in: Inteligência Emocional, de Daniel Goleman, Lisboa, Círculo de Leitores, 2010