Para começar, o impulso é o meio através do qual a emoção se exprime; a semente de todo o impulso é um sentimento que quer traduzir-se em ação. Aqueles que estão à mercê do impulso - aos quais falta o autocontrole - sofrem de uma deficiência moral: a capacidade de controlar o impulso é a base da vontade e do carácter. Do mesmo modo, a raiz do altruísmo reside na empatia, na capacidade de ler as emoções dos outros; quem é incapaz de sentir as necessidades ou o desespero de outra pessoa, não pode amar. E se ha duas atitudes morais que os nossos tempos exigem, são precisamente estas, autodomínio e compaixão. (…)
A nossa herança genética dotou cada um de nós com um conjunto de estruturas emocionais que determinam o nosso carácter. Mas os circuitos do cérebro envolvidos são extraordinariamente maleáveis; o temperamento não é fatalidade. (…)
As nossas emoções, afirmam, guiam-nos quando temos de enfrentar situações e tarefas demasiado importantes para serem deixadas apenas a cargo do intelecto - perigo, grandes desgostos, persistir na prossecução de um objetivo mal-grado todas as frustrações, ligar-me-nos a um companheiro ou companheira, fundar uma família. (…) Para o melhor e para o pior, a inteligência pode não ter o mínimo valor quando as emoções falam. (…)
Tal como Freud descreve em O Mal-Estar da Civilização, a sociedade tem de impor do exterior regras destinadas a dominar as vagas de excesso emocional que surgem demasiado livremente no seu interior.
Mal-grado estas restrições sociais, as paixões estão permanentemente a sobrepor-se à razão. Esta constante da natureza humana decorre da arquitetura básica da vida mental. Em termos de concepção biológica do circuito neuronal de emoções básico, aquilo com que nascemos é o que resultou melhor para as últimas 50 000 gerações humanas, e não para as últimas 500, e certamente não para as últimas cinco. As forças lentas e deliberadas da evolução que moldaram as nossas emoções fizeram o seu trabalho ao longo de um milhão de anos; os últimos 10 000 - apesar de terem assistido à rápida ascensão da civilização humana e à explosão da população de cinco milhões para cinco biliões - quase não deixaram marca nas nossas matrizes biológicas para a vida emocional. (…)
A parte mais primitiva do cérebro, partilhada com todas as espécies que têm mais do que um sistema nervoso mínimo, é o tronco cerebral, que rodeia o topo da espinal medula. Este cérebro "de raiz" regula as funções básicas da vida, como respirar e o metabolismo dos outros órgãos do corpo, além de controlar as reações e movimentos estereotipados. (…) Este cérebro reinou como senhor absoluto durante a Era dos Répteis: imagine-se uma cobra a sibilar como sinal de uma ameaça de ataque. (…) Da raiz mais primitiva, o tronco cerebral, emergiram os centros emocionais. Milhões de anos mais tarde, a partir destas áreas emocionais, evoluiu o cérebro pensante, ou neocórtex, o grande bolbo de tecidos convolutos que constituem as camadas superiores. (…) Havia um cérebro emocional muito antes de aparecer o cérebro racional.
A mais antiga raiz da nossa vida emocional reside no sentido do olfacto, ou mais precisamente, no lóbulo olfactivo, as células que captam e analisam os cheiros. (…) A partir do lóbulo olfactivo, começaram a evoluir os antigos centros da emoção … À medida que evoluía, o sistema límbico refinava duas ferramentas muito poderosas: a aprendizagem e a memória. (…)
Há cerca de 100 milhões de anos, o cérebro dos mamíferos deu um novo e grande salto em frente. Por cima das duas camadas gémeas do córtex - as regiões que planeiam, compreendem o que é sentido, coordenam os movimentos - foram acrescentadas várias novas camadas de células cerebrais, que vieram formar o neocórtex … O neocórtex do Homo sapiens, maior que o de qualquer outra espécie, trouxe consigo tudo o que é distintamente humano. O neocórtex é a sede do pensamento; contém os centros que integram e compreendem aquilo que os sentidos captam. Acrescenta a um sentimento aquilo que pensamos a respeito dele - e permite-nos ter sentimentos a respeito de ideias, arte, símbolos, imaginações. (…) À medida que subimos na escala filogenética, de réptil para macaco Rhesus para ser humano, aumenta a massa do neocórtex; este acréscimo determina um aumento em progressão geométrica das interligações dos circuitos cerebrais. Quanto maior é o número destas ligações, mais vasta a gama de respostas possíveis. O neocórtex é o responsável pelas subtilezas e complexidades da vida emocional, como a capacidade de ter sentimentos a respeito dos nossos sentimentos. (…)
As lágrimas, um sinal emocional único da espécie humana, são desencadeadas pela amígdala e por uma estrutura que lhe fica próxima, o gyrus cingulado; ser-se acariciado, abraçado ou de qualquer outra maneira confortado acalma estas áreas do cérebro, pondo fim ao choro. (…) A arte de nos acalmarmos a nós mesmos é uma habilidade fundamental da vida. (…)
De todos os estados de espírito a que as pessoas procuram escapar, a raiva parece ser a mais intransigente; a ira é a mais sedutora das emoções negativas; (…) Ao contrário da tristeza, a raiva dá energia, é excitante. (…) Os benefícios intelectuais de uma boa gargalhada tornam-se sobretudo evidentes quando se trata de resolver um problema que exige uma solução criativa. (…) A realização criativa depende de uma imersão total e exclusiva. (…)
A empatia nasce da autoconsciência; quanto mais abertos formos às nossas próprias emoções, mais capazes seremos de ler os sentimentos dos outros.
Os custos emocionais, ao longo da vida, da falta de sincronização durante a infância podem ser muito pesados - e não apenas para a criança. (…) As emoções são contagiosas. (…) Em cada encontro que temos emitimos sinais emocionais, e esses sinais afectam quem está connosco. Quanto mais hábeis somos socialmente, melhor controlamos os sinais que emitimos …
Robert Ader, um psicólogo, descobriu que o sistema imunológico, a exemplo do cérebro, é capaz de aprender. (…) O sistema imunológico é, nas palavras do neurocientista Francisco Varela, da École Polytechnique de Paris, o cérebro do corpo, definindo-lhe o sentido de identidade própria - aquilo que lhe pertence e o que lhe é alheio. As células imunológicas viajam por todo o corpo através da circulação sanguínea, contactando com praticamente todas as outras células. Deixam em paz as que reconhecem, atacam as desconhecidas. Este ataque defende-nos contra os vírus, as bactérias e o cancro, ou, se as células imunológicas identificaram erradamente como "intrusas" outras células do próprio corpo, provoca uma doença auto-imunológica como uma alergia ou lúpus. (…)
Acresce sons de silêncio à lista dos riscos emocionais para a saúde e inclua laços emocionais na lista dos factores protectivos. (…) O poder do isolamento como factor de risco de mortalidade - e o poder curativo das relações íntimas. (…)
A aprendizagem emocional começa nos primeiros momentos da vida e continua ao longo de toda a infância. (…)
A demonstração clássica do impacto da experiência no crescimento do cérebro foi feita por Thorsten Wiesel e David Hubel, ambos neurocientistas galardoados com o Prémio Nobel. Wiesel e Hubel demonstraram que no caso dos gatos e dos macacos há um período crítico, durante os primeiros meses de vida, para o desenvolvimento das sinapses que transportam sinais do olho até ao córtex visual, onde esses sinais são interpretados. (…) Nos seres humanos, o período crítico equivalente para a visão corresponde aos primeiros seis anos de vida. (…)
Os estudos com ratos 'ricos' e 'pobres' proporcionam-nos uma demonstração vívida do impacte da experiência no cérebro em desenvolvimento. Os ratos 'ricos' viviam em pequenos grupos em gaiolas bem fornecidas de 'divertimento para ratos', como escadas e rodas. Os ratos 'pobres' viviam em gaiolas iguais, mas vazias e desprovidas de qualquer espécie de diversão. Ao longo de um período de meses, o neocórtex dos ratos ricos desenvolveu uma rede muitíssimo mais complexa de circuitos sinápticos entre os neurónios; os circuitos neuronais dos ratos pobres eram, em comparação, muito mais esparsos. A diferença era tão grande que os ratos ricos tinham cérebros mais pesados e eram, talvez sem surpresa, mais hábeis do que os pobres a resolver problemas de labirintos. Experiências feitas com macacos resultaram nas mesmas diferenças entre 'ricos' e 'pobres' em experiência, e o mesmo efeito ocorre seguramente com seres humanos.
in: Inteligência Emocional, de Daniel Goleman, Lisboa, Círculo de Leitores, 2010