Aguarelas Finas, Le Corbusier | Maison La Roche, Paris

16 abril 2014

As Paredes Absurdas

Eis umas árvores e eu conheço-lhes a rugosidade, eis a água e eu conheço-lhe o sabor. Estes perfumes de erva e de estrelas, a noite, certas tardes em que o coração se dilata, como negar esse mundo cujo poder e cujas forças experimento? No entanto, toda a ciência desta terra não me dará nada que possa certificar-me de que este mundo é meu. As pessoas descrevem-mo e ensinam-me a classificá-lo. Enumeram as suas leis e eu, na minha sede de saber, consinto em que elas sejam autênticas. Demonstrem o seu mecanismo, e a minha esperança aumenta. Por fim, ensinam-me que este universo prestigioso e matizado se reduz ao átomo, e que o próprio átomo se reduz ao electrão. Tudo isto é bom e espero que continuem. Mas falam-me de um invisível sistema planetário, onde os electrões gravitam em redor de um núcleo. Explicam-me este mundo com uma imagem. Reconheço então que os homens se embrenharam pela poesia: Jamais «conhecerei« nada disso. Terei sequer tempo de me indignar? Já mudaram de teoria. Assim, essa ciência que devia ensinar-me tudo, acaba na hipótese, essa lucidez cai na metáfora, essa incerteza resolve-se em obra de arte. Que precisão tinha eu de fazer tantos esforços? As linhas suaves dessas colinas e mão da tarde no meu coração agitado ensinam-me muito mais. Volto ao princípio.
[...]
Estranho a mim próprio e a esse mundo, unicamente armado de um pensamento que se nega a si próprio logo que se afirma, que condição é essa em que só posso ter paz recusando-me a saber e a viver, em que o apetite de conquista vai de encontro a paredes que desafiam os seus assaltos? Querer é suscitar paradoxos. Tudo está ordenado para que essa paz envenenada que resulta da negligência, do sono do coração ou das renúncias mortais.
A inteligência também me diz, a seu modo, que este mundo é absurdo.
[...]
Negam a sua verdade profunda, que é a de estar acorrentado. Nesse universo indecifrável e limitado, o destino do homem toma, daí em diante, o seu sentido. Ergueu-se um povo de irracionais, que o cerca até ao seu fim derradeiro.

in: O Mito de Sísifo, de Albert Camus, p. 30 e 31.