Aguarelas Finas, Le Corbusier | Maison La Roche, Paris

26 maio 2014

O Estúdio | Alberto Giacometti

Zona secreta, solidão onde se refugiam os seres - e as coisas - é ela que dá beleza à rua: por exemplo, se for sentado num autocarro basta olhar pela janela. A rua cede o que o autocarro devassa. Sigo demasiado depressa para ter tempo de reter rostos ou gestos, a velocidade exige do meu olhar igual velocidade, e por isso nem um rosto, um corpo, ou atitude sequer, me esperam: tudo está ali a nu. Registo: um homem enorme, curvado, muito magro, peito escavado, óculos, o nariz comprido; uma dona-de-casa gorda caminha lentamente, pesada, triste; um velho sem graça, uma árvore solitária, ao lado outra árvore solitária, e outra… um empregado, outro, uma multidão de empregados, a cidade inteira cheia de empregados curvados, todos juntos num pormenor que os meus olhos registam: bocas crispadas, ombros caídos… uma a uma, talvez devido à velocidade dos meus olhos e do veículo, as suas atitudes ficam rabiscadas tão depressa, tão rápido surpreendidas em seu arabesco, que cada ente é-me revelado no que tem de novo e insubstituível - invariavelmente uma ferida - graças à solidão onde essa ferida os coloca e eles mal reconhecem, se bem que todo o seu ser aí aflua…

in: O Estúdio de Alberto Giacometti, de Jean Genet, p. 35.