Aguarelas Finas, Le Corbusier | Maison La Roche, Paris

15 outubro 2020

O Estúdio de Alberto Giacometti | Jean Genet

 Ora a obra de Giacometti torna o nosso universo tão insuportável quanto este artista parece ter sabido afastar o que lhe perturba a visão, e descobre o que resta do homem expurgadas que sejam as aparências. É tão profunda a nostalgia que o fortaleceu no trabalho, que Giacometti também deve ter tido necessidade dessa inumana condição imposta. (…)

Aceito mal o que em arte se designa por inovador. Deverá uma obra ser entendida pelas gerações futuras? Porquê? Que quererá isso dizer? Que elas poderão utilizá-la? Em quê? Não vejo bem. Já vejo melhor - ainda que muito obscuramente - toda a obra de arte que pretenda atingir os mais altos desígnios deve, com paciência e uma infinita aplicação desde início, recusar milénios e juntam-se, se possível, à imemorial noite povoada pelos mortos que irão reconhecer-se nessa obra.

Nunca, nunca, o obra de arte se destina às novas gerações. Ela é oferenda ao inúmero povo dos mortos. Que a acolhem. Ou rejeitam. Mas os mortos de que falo nem vivos foram. Ou então esqueci-os. Porque foram-no suficiente para que os esqueçam, já que a vida teve como fim levá-los a cruzar esta tranquila margem de onde aguardam (…)

A obra de Giacometti transmite ao povo dos mortos o conhecimento da solidão de todos os seres e de todas as coisas, solidão, nossa mais certa glória. (…)

Zona secreta, solidão onde se refugiam os seres - e as coisas - é ela que dá beleza à rua: por exemplo, se for sentado num autocarro basta olhar pela janela. A rua cede o que o autocarro devassa. (…)

Solidão, como eu a entendo, não designa estatuto de miséria mas secreta soberania, nem profunda incomunicabilidade mas conhecimento mais ou menos obscuro de uma singularidade intocável. (…)

A mão vive, a mão vê. (…)

Alegria dos meus dedos bastantemente conhecida, sempre renovada ao passá-los - olhos fechados - sobre uma estátua. (…)

Giacometti, o escultor para cegos.


in: O Estúdio de Aberto Giacometti, de Jean Genet, Ed. Assírio & Alvim, Lisboa, 1999