Aguarelas Finas, Le Corbusier | Maison La Roche, Paris

02 fevereiro 2016

Ovídio | Arte de Amar

Livro II

Introdução. 
Conservar o Amor

(…)
Não baste que a mulher venha até junto de ti, graças ao meu canto;
foi a minha arte que a cativou, é a minha arte que tem de preservá-la;
conservar o que se alcançou não é virtude menor do que bus.cá-lo;
aqui interfere o acaso, ali é a obra de arte.
Agora, mais que nunca, ó menino, ó Citereia, favorecei a minha empresa,
agora, ó Érato, já que tens nome de Amor.
Grandioso é o que me apresto a cantar: por que artes consegue segurar-se
o Amor, um menino tão vagabundo na vastidão do universo.
ligeiro é ele e possui um par de asas, com que voa;
bem difícil é pôr-lhes travão.
(…)

Amabilidade e Elegância

Guarda-te de tudo quanto é vedado! Para seres amado, sê amável,
coisa que te não darão apenas o rosto ou a beleza.
Ainda que sejas Nireu, a quem o velho Homero amava,
ou o delicado Hilas, arrebatado pelo crime das Náiades,
para conservares a tua amada e não teres a surpresa de ser por ela abandonado,
junta os bens do espírito às qualidades do corpo.
A beleza é um bem frágil; à medida que vão avançando os anos,
vai diminuindo e, por força da idade, vai murchando;
não ficam todo o tempo em flor as violetas nem os lírios de pétalas abertas,
e a roseira, depois de cair a flor, enrijece de espinhos, que é o que lhe resta.
Também a ti, ó jovem esbelto, te hão-de chegar os cabelos brancos,
e logo virão as rugas a sulcar-te o corpo.
Suaviza já o teu espírito, por forma a perdurar, e ajunta isso à tua beleza;
só ele logra permanecer até às preces derradeiras;
e não tenhas em menos conta educar o carácter por meio das boas artes
e aprender as duas línguas;
não era belo, mas era eloquente Ulisses,
e, no entanto, atormentou de amores deusas do mar.
(…)

Doçura e Bondade

A rectidão e a bondade, eis o que, em especial, cativa os corações;
a aspereza suscita o ódio e guerras cruéis.
(…)
É de doces palavras que tem de sustentar-se a brandura do amor.
(…)
Que a amante, pelo contrário, ouça sempre as palavras que deseja.
Não foi por mando de uma lei que viestes parar ao mesmo leito;
quem cumpre a sua função em vós é a lei do amor.
Doces meiguices e palavras aprazíveis ao ouvido
é o que tens de trazer-lhe, para ela ficar feliz com a tua vinda.
Não é aos ricos que venho ensinar a amar;
não tem qualquer precisão da minha arte aquele que é mãos largas;
já tem consigo o seu talento aquele que diz, sempre que lhe apetece: "aceita";
a esse cedo; agrada mais ele que os meus ensinamentos.
Eu sou o poeta dos pobres, pois foi pobre que amei;
já que não podia ofertar presentes, oferecia palavras;
que o pobre âme com recato, que receie ser maldizente o pobre
e suporte muitas coisas que não seriam capazes de tolerar os ricos.

Persistência

Se não for meiga quanto baste nem corresponder ao teu amor,
porfia e persiste. Acabará por tornar-se carinhosa.
Dobra-se, quando vergado com jeito, o ramo da árvore;
vais parti-lo, se puseres à prova a tua força;
com jeito, a nado se passam as águas; mas não serás capaz de vencer
o rio, se nadares contra a corrente que com as águas se arrasta;
o jeito doma os tigres e os leões da Numídia;
no campo, o boi acaba por subjugar-se, pouco a pouco, ao peso do arado.
(…)

Ceder e Servir

Cede quando ela teima; se cederes, sairás vencedor;
trata, apenas, de agir, como ela determinar.
Se ela contestar, contesta; o que aprovar, aprova-o;
o que afirmar, afirma-o; o que negar, deves negá-lo;
se rir, ri-te; se chorar, lembra-te tu de chorar;
seja ela a ditar as leis às tuas feições.

Robustez e Vigor 

O amor é uma espécie de serviço militar. Batei em retirada, gente indolente!
Tais estandartes não são para ser confiados a homens medrosos.
A noite e o Inverno e jornadas sem fim e dores terríveis
e toda a sorte de padecimentos, eis o que nos espera nos campos de doçura;
muitas vezes terás de suportar a chuva que cai das nuvens do céu
e muitas vezes vais dormir, enregelado, sobre a terra nua.
(…)

Prendas

(…)
ah, malditos sejam aqueles que com presentes enganam!

 Gerir a Ausência e a Saudade

Mas o vento a que soltaste as velas ao deixares a praia,
dele não deves servir-te, agora, depois de te tornares senhor do alto mar.
Enquanto dá passos incertos o novo amor, deve buscar no uso as suas forças;
se bem o souberes alimentar, com o tempo ficará firme.
O touro que te mete medo, costumavas tu, quando era vitelo, fazer-lhe festas;
a árvore à sombra da qual agora repousas, foi, antes, um arbusto;
nasce bem delgado, mas ganha forças, à medida que avança,
o rio e, por onde passa, uma imensidão de correntes vai recebendo.
Faz com que se acostume a ti; nada tem mais força que a habituação;
até a alcançares, não fujas a nenhum dissabor;
que te veja a todo o tempo, que a todo o tempo te escute,
que a noite e o dia lhe mostrem o teu rosto.
(…)

Amar com sabedoria

Aquele a quem a natureza concedeu beleza, seja graças a ela que dê nas vistas;
aquele que possui uma pele formosa durma muitas vezes de ombros à mostra;
o que tem uma conversa agradável evite os silêncios taciturnos;
o que canta com elegância, que cante; o que bebe com elegância, que beba.
(…)
Todo o que amar com sabedoria triunfará e quanto reclamar de minha arte, vai consegui-lo.

in: Arte de Amar, de Ovídio, Livros Cotovia, Lisboa, 2006