Aguarelas Finas, Le Corbusier | Maison La Roche, Paris

03 fevereiro 2016

Ovídeo | Arte de Amar

Livro III

Às Mulheres

Armas, eu as forneci aos Dánaos contra as Amazonas; armas me restam, ainda,
para te fornecer a ti, ó Pentesileia, e à tua gente.
Parti para a batalha em igualdade de condições; que vença quem a mãe Dione
favorecer, e o menino que voa sobre o mundo inteiro.
Não seria justo que enfrentásseis, despidas de armas, inimigos armados;
se assim fosse, também para vós a vitória seria uma vergonha, ó varões.

Uma Arte de Amar para as Mulheres

(…)
A mulher não desvia as chamas e as implacáveis flechas;
esses dardos, vejo eu que mais raramente são danosos aos homens.
Muitas vezes traem os homens; não tantas vezes as mulheres delicadas;
e, se procurares, poucos são os crimes de engano que nelas se encontram.
(…)
Qual foi a vossa perdição, eu vos direi: não soubeste amar;
faltou-vos arte; é a arte que faz perdurar o amor.
(…)
e disse-me, então: "que fizeram as pobres mulheres?
São um povo sem armas entregues a homens armados;
a eles, dois livros os tornaram peritos na arte;
também este grupo os teus preceitos têm de ensiná-lo.

Aproveitar a Juventude

Tende desde já na lembrança que a velhice há-de chegar;
e não deixeis, por isso, esvair-se tempo na ociosidade;
enquanto vos for consentido e conservardes, ainda, a idade da Primavera,
gozai; vão-se os anos, do mesmo modo que a água corrente;
nem a onda que passou voltará de novo a ser chamada,
nem a hora que passou logra tornar atrás.
(…)
Tempo há-de vir em que tu, que agora enjeitas os amantes,
hás-de dormir, enregelada e velha, na solidão da noite,
e não há-de a tua janela ser quebrada por briga nocturna,
nem vais encontrar, pela manhã, rosas espalhadas à tua porta.
Bem depressa, pobre de mim!, o corpo amolece de rugas,
e desaparece, no rosto que era luzidio, a cor,
e os cabelos brancos que juras que tinhas já em rapariga,
de súbito se espalham por toda a cabeça.
(…)

Cuidar da Beleza

(…)
A beleza é um dom dos deuses; da sua beleza, quão poucas se podem orgulhar!
Grande parte de vós não possui um tal dom.
(…)

A Poesia

Conhece a musa de Calímaco, conhece a do Poeta de Cós,
conhece, ainda, a do ancião de Teos, afeiçoado ao vinho;
conhece, também, Safo (pois que é que existe mais lascivo do que ela?)
e aquele que põe um pai a ridículo, vítima dos ardis do manhoso geta.
(…)

Homens a Evitar

Mas evitai os homens preocupados com a elegância e a beleza
e que têm o cabelo bem penteado;
o que vos dizem a vós, disseram-no já a mil mulheres;
vai deambulando e não se fixa em sítio algum e seu amor.
(…)
Há os que avançam a coberto de uma espécie enganosa de amor
e, por tais caminhos, são ganhos indecentes que buscam.
(…)
Talvez o mais elegante de entre todos eles
seja um ladrão e esteja a arder por amor do que trazes vestido.
"Devolve o que é meu!", gritam, muitas vezes, depois de roubadas, as mulheres,
(…)
Aprendei com as desgraças das outras a temer as vossas;
não se abra a vossa porta a um homem falso.

Amores Furtivos

(…)
Atenta nas palavras que lês; das próprias palavras terás de depreender
se está a fingir ou se as súplicas vêm do fundo do coração e da ansiedade;
depois de fazeres esperar um pouco, responde. A espera estimula sempre
os amantes, se for por tempo razoável.
Mas nem te entregues facilmente ao jovem que te namora
nem negues, de coração endurecido, o que ele te pede.
Faz com que alimente, à uma, temor e esperança; e, sempre que responderes,
mais firme se lhe torne a esperança e menos intenso o medo.
Palavras elegantes, mas usuais no convívio social, ó mulheres,
é o que deveis escrever! O ar vulgar da conversa dá gosto.
Ah, quantas vezes se inflamou diante de uma mensagem um amante inseguro!
Quantas vezes foi danosa uma língua bárbara a uma grande beleza!
(…)
Que se diga sempre ser mulher o amante a quem se escreve;
seja uma "ela", em vossas mensagens, o que devia ser um "ele".

Cultivar a Doçura

(…)
Olha quem te olha; a quem te sorri com doçura, sorri;
Faz-te um aceno? Responde, também tu, que percebeste o sinal.

Amar os Poetas

Quem nos impede de colher de temas elevados exemplos para coisas
banais e de não ter receio da palavra "chefe"?
Um bom chefe confia a um cem soldados, para com o bastão de vide os comandar,
a outro cavaleiros, a um terceiro entrega-lhe a guarda dos estandartes;
também vós, observai para que função cada um de nós é mais conforme
e ponde cada um no posto adequado:
o rico debe dar presentes; aquele que for versado em leis dê o seu apoio;
o que tem o dom da palavra que defenda, muitas vezes, a causa da sua cliente;
nós, que fazemos versos, devemos limitar-nos a enviar versos;
somos nós, mais que todos os outros, o tal coro capaz para o amor;
nós fazemos ouvir longe o pregão da beleza que nos encanta;
é famosa Némesis, Cíntia é famosa;
a estrela da tarde e os confins do Oriente conhecem Lícoris,
e muitos perguntam quem é a minha Corina;
acresce que não existe perfídia entre os divinos poetas,
e que a nossa arte nos molda, também, à sua feição;
e não nos move a ambição nem o amor da riqueza,
desprezamos o foro e cultivamos o leito e as sombras;
mas facilmente nos apegamos e deixamos-nos consumir num fogo abrasador
e sabemos amar com lealdade inquebrável.
(…)
existe um deus em nós e mantemos diálogo com o céu;
é das planuras do céu que nos vem a inspiração.

A Cada idade seu Encanto

(…)
O velho soldado ama sem dor e com sabedoria
e suporta muitas coisas que o recruta não consegue padecer;
e não rebenta com as portas nem lhes deita fogo com chamas terríveis,
nem se atira com as unhas ao rosto delicado da sua dama,
nem rasgará a sua túnica ou a túnica da amada,
nem fará de um cabelo arrancado causa de pranto.
Tais atitudes ficam bem a rapazinhos, no calor da idade e do amor;
aquele suportará cruéis feridas, de coração robustecido;
é em fogo lento, caramba!, que há-de arder, como feno húmido,
como a madeira acabada de cortar nos bosques da montanha.
(…)

Rivais: Não dar Ouvidos a Boatos

Aonde me leva a minha loucura? Porque avanço, de peito aberto,
contra o inimigo e me denuncio com os sinais que eu mesma forneço?
Não revela o pássaro ao caçador como pode ser caçado,
nem ensina o veado os cães assanhados a persegui-lo.
A vantagem ficará desvendada; eu, aquilo que comecei, fielmente o hei-de consumar
e às mulheres de Lemnos hei-de dar armas para me matarem.
Fazei (é fácil consegui-lo) que nós acreditemos no vosso amor;
para quem está apaixonado, a crença vem ao encontro do desejo.
(…)

in: Arte de Amar, de Ovídeo, Livros Cotovia, Lisboa, 2006