Aguarelas Finas, Le Corbusier | Maison La Roche, Paris

08 abril 2025

Eros | Anne Carson

 Foi Safo quem primeiro chamou a Eros amargo e doce. (…)

A experiência de muitos amantes validaria tal cronologia, especialmente na poesia, em que a maior parte dos amantes termina mal. (…) O amor e ódio constroem entre si a maquinaria do contacto humano. (…) «E o ódio começa onde o amor parte …» sussurra Annak. (…)

Eros derruba um amante com o choque entre quente e frio no poema de Anacreonte (…) ao passo que Sófocles compara a experiência a um pedaço de gelo a derreter em mãos quentes. (…)

O desejo não é simples. Em grego, o acto de amar é um acto de misturar, e o desejo derrete os membros. Fronteiras do corpo, categorias do pensamento confundem-se. O deus que derrete membros procede para quebrar o amante, como faria um inimigo no campo de batalha épico. (…)

A palavra grega Eros denota «escassez», «a carência», «desejo pelo que está em falta». O amante quer o que não tem. (…) Um espaço deve ser mantido, ou o desejo acaba. (…) 

Foi Safo quem assemelhou uma rapariga a uma maçã. (…)

Eros tem que ver com fronteiras. Ele existe porque certas fronteiras existem (…) a fronteira que engendra Eros: a fronteira de carne e ser entre ti e mim. (…) Quando necessito de ti, uma parte de mim desaparece: a minha necessidade de ti toma parte de mim. Assim raciocina o amante no limite de Eros. (…) Os seus pensamentos viram-se para questões de identidade pessoal: ele deve recuperar e reincorporar o que se perdeu para poder ser uma pessoa completa. (…)

Os interlocutores são levados a reconhecer que todo o desejo é anseio por aquilo que propriamente pertence àquele que deseja, mas foi de alguma forma perdido ou subtraído - ninguém explica como. (…) Assim, Sócrates dirige-se aos dois rapazes, os seus interlocutores, e diz: (…) o desejo e o amor e o anseio são dirigidos àquilo que se assemelha ao próprio, segundo parece. Por Isso (…) pertencem um ao outro. (…) 

O desejo muda o amante. «Como é curioso»: ele sente a mudança acontecer, mas não tem categorias à mão que a avaliem. A mudança dá-lhe um relance sobre uma versão do eu que ele ainda não conhecia. (…) O amante aprende à medida que a perde, a valorizar a entidade delimitada de si próprio. (…)

Quando as pessoas começam a aprender a ler e a escrever (…) se a presença ou ausência de literacia afeta o modo como uma pessoa entende o seu próprio corpo, sentidos e eu, esse efeito irá influenciar a vida erótica. (…) 

Controlar as fronteiras é possuir-se a si próprio. (…)

Asas e respiração transportam Eros do mesmo modo que asas e respiração comunicam palavras: torna-se aqui aparente uma analogia antiga entre linguagem e amor. (…)

A imaginação é o centro do desejo. Age no centro da metáfora. É essencial para a actividade da leitura e da escrita. (…) Ao escrever sobre desejo, os três poetas arcaicos criaram triângulos com as palavras. (…) envolver dois factores (amante e amado) em termos de três (amante, amado e o espaço entre eles, de alguma forma tornado real). (…)

O poder de mudar a realidade eroticamente. (…)

As palavras que lemos e as palavras que escrevemos nunca dizem exatamente o que queremos dizer (…) Eros está entre. (…)

O tempo passa. O tempo é um riacho que flui (…)

A este estranho poder que a escrita tem (…) No Fedro é um jovem que se apaixonou por um texto escrito. (…) A escrita Fedro, tem esse estranho poder, na verdade muito se assemelha à pintura. (…)

Jardins e escritores (tempo)… Amantes e leitores têm desejos semelhantes (…) No meio está o Eros. (…)

Como é que acontecimentos exteriores entram e tomam posse da psique de uma pessoa? Eros toma conta da mente e do corpo (…) Ninguém pode lutar contra Eros! (…)

Os fatos são os de que Eros muda tão drasticamente que pareces tornar-te uma pessoa diferente. (…)

Põe-nos asas na alma. (…) As asas são um instrumento de dano e de poder irresistível. (…) «Faz voar o meu coração» (…) 

Como poderia eu fugir a pé de quem me persegue com asas? (…) Têm raízes naturais em cada alma, um resíduo dos seus inícios imortais. (…) São as tuas asas a brotar. É o início daquilo que pretendes ser. (…)

A única preocupação do amante é estar com quem ama. (…)

Ao adicionar pt a Eros, os deuses criam Pteros, que é um jogo com a palavra grega Pteron, que significa «asa». (…) O desejo envolve uma «necessidade que dá asas». 

Pteros é mais verdadeiro que Eros. (…)

Eros, algo que se move no espaço intermédio. E é isso que há de mais erótico em Eros. (…) 

Uma cidade sem desejo é uma cidade sem imaginação. (…) Um acto de imaginação a que se chama phantasia. (…)  

Eros faz de todo o homem um poeta! (…)

Quando a mente se dispõe a conhecer abre-se um espaço do desejo e torna-se evidente a ficção (…)


in: Eros, Amargo e Doce, de Anne Carson, Edições 70, Lisboa, Out. 2024