Aguarelas Finas, Le Corbusier | Maison La Roche, Paris

18 julho 2021

Vieira da Silva | Artista Portuguesa

         

Sobre um fundo verde, irregularmente delimitado, pinceladas brancas sugerem uma escada de corda, pendurada numa estranha armação preta. Uma rapariguinha, vista de costas, está no meio dos degraus. Olhando para cima, está prestes a continuar a subida. A escolha do título deste Auto-Retrato (1932) surpreende o espectador. 

Quando Maria Helena Vieira da Silva realizou esta auto-representação da criança, suspensa entre o céu e terra, tinha 24 anos e retratara-se já várias vezes como jovem. O guache remete para o imaginário genuíno da sua infância. Conversas e entrevistas com a artista confirmam a importância dos primeiros anos de vida para a sua pintura. 

«As recordações, que guardo da minha vida, situam-se muito cedo. Comecei a viver aos dois anos. Comecei realmente a viver, a pensar … E essa vida tornou-se para mim um universo.»

A artista evoca com insistência o ambiente da casa do avô em Lisboa, onde viveu com a mãe de 1911 a 1926: «Cheguei à pintura, assim, em menina. Era a única criança numa casa muito grande, onde me perdia, onde havia muita coisa, muitos livros, mapas, pianos. Nesta casa, com a minha mãe, viúva desde muito nova, não tinha amiguinhas, não ia à escola… muitas vezes não havia ninguém … Ensinaram-me a ler quando era pequena, em português, em francês, em inglês, quase ao mesmo tempo e a tocar piano… Havia muitos livros ilustrados e eu olhava para as imagens e, ao mesmo tempo, lia, lia em qualquer sítio, sem restrição e podia mexer em tudo. Vivia assim, quase isolada, num mundo de adultos que escutava. E foi assim que cresci. Às vezes estava completamente só e às vezes estava triste, muito triste, mesmo muito triste. Refugiava-me então no mundo das cores e no mundo dos sons. Creio que tudo isto se fundia em mim num todo único.»

Para fugir ao enfado e à solidão seguia os conselhos dos adultos que lhe diziam: «Olha, olha os livros, olha a árvore, olha o pássaro … Ouve a música, ouve o barulho, ouve a chuva, ouve… é tão bonito! 

E diziam-lhe também: - Olha o céu, olha as estrelas!» e a rapariguinha folheava livros do avô e encontrou uma revista portuguesa ilustrada com representações de gravuras de Durer. (…)

Vieira nunca frequentou a escola. Foi instruída em casa, onde, a partir de 1919, começou a estudar três novas disciplinas- música, desenho e pintura. (…) A opção pela pintura revelou-se, contudo, definitiva. 

A partir de 1915 passou os verões em Sintra, numa casa que a mãe comprara. Situada na encosta do Palácio da Vila, abarcava uma vista que a fascinava. Ali desenhou os primeiros esboços da natureza. (…)

A vista de Sintra com as duas colinas quase simétricas no horizonte da pequena várzea guardaria para ela o carácter de uma visão, face à qual os seus futuros quadros teriam de se sair bem. 

Em 1932, em Paris, tentaria representá-la de cor em duas telas pequenas para explicar ao pintor Arpad Szenes a sua experiência. Foi também em Sintra, com dezassete anos, que Vieira leu sem parar, escondida numa árvore no jardim da casa, o Prometeu de Ésquilo. Tornou-se para ela uma parábola do Mundo: - «Todas as misérias do Homem já se encontram ali. Para mim foi uma grande descoberta, fiquei muito abalada. É de uma tal beleza, é de uma tal grandeza».

Com dezoito anos começou a questionar-se: - «Como fazer para pintar tudo isto e ser na mesma altura do meu tempo? Consolava-me dizendo que ia encontrar o caminho em Paris». Na companhia da mãe, no início de 1928, mudou-se para a capital francesa: - «Para o meu trabalho chegara o momento em que tinha necessidade de ir para Paris. Já não podia progredir em Lisboa. A pintura que aí fazia já não me satisfazia. Não sabia como fazer, nem que fazer. Começara, entretanto, a esculpir, o que me foi de grande utilidade porque me deu o contacto com o real.»

in: Vieira da Silva, Taschen, Lisboa, 1998