Aguarelas Finas, Le Corbusier | Maison La Roche, Paris

18 outubro 2016

A Potência de Existir | Michel Onfray

A escultura de si.
Conservemos a antiga metáfora da escultura: Plotino utiliza-a nas Eneidas e incita cada um de nós a ser o escultor da sua própria estátua. Porque, a priori, o ser está vazio e oco. A posteriori, ele é o que foi feito e o que dele se faz. Trata-se de uma formulação moderna: a existência precede a essência. Cada um segue sendo, neste sentido, parcialmente responsável pelo seu ser e pelo seu futuro. Sucede o mesmo com o bloco de mármore bruto e sem identidade, enquanto o escopro do escultor não se decidir a conceder-lhe uma forma. Esta última não está oculta, em potência, na matéria, mas é produzida com o desenvolvimento de um trabalho. A obra constrói-se dia após dia, hora após hora, segundo após segundo. Cada instante contribui para o futuro.
Que se deve procurar produzir? Um Eu, um Si mesmo, uma Subjectividade radical. Uma identidade sem duplo. Uma realidade individual. Uma pessoa recta. Um estilo notável. Uma força única. Uma potência magnífica. Um cometa que traça um caminho inédito. Uma energia que inaugura um percurso luminoso no caos do cosmos. Uma bela individualidade, um temperamento, um carácter. Sem querer a obra-prima, sem visar a perfeição - o génio, o herói ou o santo - é necessário tender para a epifania de uma soberania inédita.
A tradição filosófica declara não gostar do Eu; ela apregoa, em todas as circunstâncias, o seu ódio ao Si. Muitos filósofos contemporâneos defendem, sem pestanejar, esta posição teórica, disseminando-se depois em obras e artigos com vista a oferecer os detalhes da infância própria, fornecer a biografia e dar testemunhos sobre a sua formação intelectual e primeira juventude. (…)
Esta esquizofrenia dá lugar a uma contradição: se eles estão certos ao condenarem o eu, então que se calem; se falam na primeira pessoa, então que façam concordar o seu pensamento com os seus desabafos. Sou a favor de uma necessária revisão teórica e de uma continuação da auto-análise existencial que, a meu ver, permite uma melhor compreensão da origem de um pensamento, daquilo que ele é e da direcção na qual ele se encaminha.

in: A Potência de Existir, de Michel Onfray, Editora Campo da Comunicação,  p. 97 e 98.