Aguarelas Finas, Le Corbusier | Maison La Roche, Paris

26 fevereiro 2013

Pedro Sousa Vieira | Preto e Branco




Sem culpa e sem arrependimento, o método de trabalho deste artista está assente numa total disponibilidade para acolher, inspecionar, perceber e inter-relacionar os mais díspares objectos e fenómenos visuais, fazendo do seu processo criativo um ágil e singular dispositivo de teste à resistência das imagens face a esse suposto regime de excepção a que chamamos experiência artística.
O centro vital de todo este processo é o ateliê. Nele habitam, lado a lado com os mais variados instrumentos do ofício artístico, todo o tipo de objectos proscritos, como caixas de papelão usadas, galhos de árvores partidos, garrafas de plástico amachucadas, placas de zinco, superfícies espelhadas, mesas rombas, cadeiras depostas, terra, água, tecido ou sisal.

in: Exposição Preto e Branco, de Pedro Sousa Vieira, Espaço Chiado 8, Lisboa, Fevereiro de 2013

14 fevereiro 2013

Charlotte Roche | Amor


Fomos de encontro um ao outro como dois cometas. Foi amor à primeira vista, mas sem que nos tivéssemos dado conta disso. Foi basicamente como um programa a correr no nosso subconsciente ou como um vírus num computador, fora do alcance da nossa percepção. Pensávamos simplesmente: entendemo-nos tão bem que temos mesmo de nos tornar amigos. Sentíamos que éramos almas gémeas, mas de uma forma absolutamente platónica, bem entendido.
(…)
O meu marido não é nada bem-parecido. O amor não tem portanto absolutamente nada que ver com o aspecto físico. Vão todos à merda mais as vossas caras bonitas. O meu homem de sonho tem de ser assim, cor de cabelo ípsilon: não, nada disso, não é assim que funciona o amor.

in: Zonas Íntimas, de Charlotte Roche, Lua de Papel, p. 27 e 29.

01 fevereiro 2013

As bruxas e as faces do feminino | …


Na Europa do século XV circulavam mitos sobre belas jovens solteiras que se reuniam nos campos para adorar o diabo - e até hoje essas crenças persistem. A autonomia e a sexualidade da mulher foram, por muito tempo, condenadas e relacionadas a práticas pagãs - associação carregada de fantasia e erotismo.

Desejo reprimido

A razão do aparecimento da tipologia social das feiticeiras é, sem argumentação mais aprofundada, relacionada pelos autores do manual de caça às bruxas ao incontrolável desejo sexual feminino. Havia um forte componente erótico nas confissões.

Os voos noturnos das feiticeiras remetem à deusa Diana, guerreira que montava altiva em seu cavalo - imagem alusiva à posição de domínio na relação sexual.
(…)

in: Revista Mente e Cérebro, As bruxas e as faces do feminino, Dezembro de 2011

14 janeiro 2013

Amor …


Aquilo que se faz por Amor está sempre para além do bem e do mal.

Friedrich Nietzsche

17 dezembro 2012

Tu és isso … eu não


« - Eu não percebo porque é que me achas atraente - murmurei. - Tu és … bom, tu és mesmo … e eu sou … - Encolhi os ombros e levantei os olhos para ele. - Não entendo. Tu és bonito, sexy, bem-sucedido, bom, gentil e carinhoso. Tu és tudo isso, e eu não. Não consigo fazer as coisas que tu gostas de fazer, não consigo dar-te aquilo de que precisas. Como poderias ser feliz comigo? Como poderei eu jamais prender-te? - A minha voz era um sussurro, ao expressar os meus medos mais tenebrosos. - Nunca percebi o que vês em mim. Ver-te com ela recordou-me tudo isso. - Funguei e limpei o nariz com as costas da mão, fitando a sua expressão impassível. (…)
- Vais ficar aqui ajoelhado toda a noite? É que eu também fico - disse-lhe eu, num tom brusco.»

in: As Cinquenta Sombras Mais Negras, de E L James, Vol. II, p. 348.

12 dezembro 2012

Charles Baudelaire | As Flores do Mal


A Morte dos Amantes

Teremos leitos só rosas ligeiras
Divãs de profundeza tumular,
E estranhas flores sobre prateleiras,
Sob os céus belos a desabrochar.

A arder de suas luzes derradeiras,
Nossos dois corações vão fulgurar,
Tochas a reflectir duas fogueiras
Em nossas duas almas, este par,

Gémeos espelhos. Por tarde mediúnica,
Nós trocaremos uma flama única
Um adeus que é um soluço tão cruel;

Pouco depois, um anjo abrindo as portas,
Virá vivificar, o mais fiel,
Os espelhos sem luz e as chamas mortas.

in: As Flores do Mal, de Charles Baudelaire, Ed. Planeta

15 novembro 2012

Muito se escreve por aí …

Muito se escreve por aí
Muito se fala por aí
Mas muito pouco se diz a verdade
Andam todos como cordeirinhos a pastar

A vida tornou-se monótona
A vida tornou-se demasiado vulgar
O mundo está igual
A pobreza abunda
A mente está doente

«Nove dias antes da sua morte, Immanuel Kant foi visitado pelo médico. Velho, doente e quase cego levantou-se da sua cadeira, fraco e trémulo, a murmurar palavras ininteligíveis. Por fim o seu fiel companheiro acabou por compreender que ele não se tornaria a sentar antes que o visitante também se sentasse. Assim fez, e Kant permitiu-se então ser ajudado a sentar e, após recuperar as forças, disse: "Das Gefuhl fur Humanitat hat mich noch nicht verlassen" - "O sentimento pela humanidade ainda não me abandonou" (Immanuel Kant, 1804, vol. III | Biblioteca de Berlim)

in: Erwin Panofsky, O Significado nas Artes Visuais, p. 15.

12 novembro 2012

O Mundo | Algures, de certo modo

A capacidade que temos para manobrar o mundo complexo que nos rodeia
depende desta possibilidade de apreender e de recordar -
apenas reconhecemos pessoas e locais porque criamos registos da sua aparência
e recuperamos parte desses registos na altura própria.
A nossa capacidade para imaginar eventuais acontecimentos
também depende da aprendizagem e da recordação,
e é o fundamento do raciocínio e da navegação imaginária do futuro e,
de uma forma mais geral, da criação de soluções inovadoras para um problema.
Para entendermos como tudo isto acontece temos de desvendar no cérebro os segredos
do "certo modo" e localizar o "algures".
Esse é um dos problemas mais complexos da neurologia contemporânea.
(…)
Aquilo que normalmente nos referimos como sendo a memória de um objecto
é a memória composta das actividades sensoriais e motoras com a interacção
entre o organismo e o objecto durante um certo período de tempo.
A gama de actividades sensório-motoras varia com o valor do objecto e com as circunstâncias,
o mesmo sucedendo com o registo dessas actividades.
As nossas memórias de determinados objectos são regidas pelo conhecimento passado de objectos comparáveis ou de situações semelhantes àquela que estamos a viver.
As nossas recordações são afectadas por preconceitos, na verdadeira acepção do termo, dada a nossa história passada e as nossas crenças.
A memória inteiramente fidedigna é um mito,
apenas aplicável a objectos triviais.
A noção de que o cérebro retém seja o que for como uma "memória isolada do objecto" não parece sustentável.
O cérebro retém uma memória daquilo que aconteceu durante a interacção,
e a interacção inclui de forma relevante o nosso próprio passado, e muitas vezes o passado da nossa espécie biológica e da nossa cultura.
O facto de apreendermos por interactividade, e não por recepção passiva, é o segredo do
"efeito proustiano" na memória, a razão pela qual muitas vezes recordamos contextos e não apenas coisas isoladas.

in: António Damásio, O Livro da Consciência, p. 169 a 171.

05 novembro 2012

Cogumelos | Homenagem à minha Avó


1. Azeite e cebola cortada às rodelas


2. Junta-se os cogumelos cortados, e deixa-se apurar bem acrescentando mais azeite.



3. Deixa-se cair o ovo sobre os cogumelos, e fica a apurar sem mexer mais.

27 outubro 2012

Contigo, corri um grande perigo.


- Não estou apaixonado por nenhuma mulher. Nunca estive. A minha única paixão é o meu trabalho. Contigo, corri um grande perigo.
Como podíamos conversar e tínhamos tanto a ver um com o outro, fiquei contigo mais tempo do que devia.
Esqueci-me do meu trabalho.

Elena viria mais tarde a repetir muitas vezes estas palavras. Lembrava-se da cara dele ao pronunciá-las, dos seus olhos, que haviam perdido todo o poder hipnótico e que eram agora, apenas, os olhos de um homem que obedece às ordens que lhe dão e não às leis do desejo e do amor.

in: Delta de Vénus, de Anais Nin, p. 83

23 outubro 2012

Não tenho …


Sou um ser criado pela natureza,
Mas não sei quase nada.
Não tenho jeito para falar com as outras pessoas,
Não tenho jeito para escrever,
Nem sei sequer falar.
Sou pouco dada a confidências,
Sobretudo da vida alheia.

Apenas sei que sinto o vento no meu rosto,
Apenas sei que sinto o sol na minha pele.

Por vezes sinto um bater forte do coração.
As emoções fazem-me chorar,
Libertar lágrimas com "cor de vermelho" tornam-me suave.

Descalça, nua e selvagem encontro finalmente a minha natureza.

in: Apontamentos breves, de Ana Paula Gaspar

26 setembro 2012

Provas de …

… Tal como não há Amizade, mas provas de amizade, ou Amor, mas provas de Amor, ou Ódio, mas provas de ódio, etc., os factos e os gestos fazem de uma aritmética que permite deduzir, mediante reconhecimento, a natureza da relação: amizade, amor, ternura, camaradagem, ou o contrário …
Os dois movimentos são simples: eleição e evitação. Força centrífuga, força centrípeta. Aproximação rumo a si, expulsão para fora. Esta ética é dinâmica, ininterrupta, sempre em movimento, em permanente relação com o comportamento de outrem. (…)


in: Michel Onfray, A Potência de Existir, p. 107/108

23 setembro 2012

Miguel Torga | Bichos


Ora eu sou teu irmão, nasci quando tu nasceste, e prefiro chegar ao juízo final contigo ao lado, na paz de uma fraternidade de raiz, a ter de entrar lá solitário como um lobo tresmalhado.
Ninguém é feliz sozinho, nem mesmo na eternidade.


in: Miguel Torga, Bichos (Contos), 15º ed., Coimbra, 1985, p. 9.

09 agosto 2012

África Negra | Mali


Conta-se que um viajante sedento, cansado (a um quilómetro atrás o seu camelo morrera), olhando o horizonte distante acreditou estar a ver uma cidade atravessada por canais cujas águas corriam lentamente; mas estava a ver o Saara.
Porém, um árabe, antigo condutor de caravanas, que também atravessava o deserto, desiludiu o viajante ao dizer-lhe que não eram canais o que os seus olhos viam, mas somente sulcos infinitos e inacabados, que aumentavam como línguas de fogo sobre as areias quentes do Saara e, que nesse instante estavam na blad al atach (em Árabe quer dizer terra de sede) e, para chegar a esses canais era necessário seguir na direcção do "meio-dia" até encontrar Tombuctu, a capital do deserto no Sudão francês (actual Mali).
No dia seguinte o viajante chegou a Tombuctu e, pode ver aquilo que anteriormente fora uma ilusão de óptica provocada pela sede. Isto é, viu os canais, os verdadeiros canais que a atravessavam, com as águas que correm lentamente ou desaparecem absorvidos pelo insuportável calor, que se ergue na atmosfera. Um desses canais que permite a navegação foi construído pelo Imperador Mohammed Askia, porém, em seguida, foi devorado pelas areias levadas pelos ventos persistentes e implacáveis.
in: África Negra, de Maria Paula da Costa (Filosofia) e Susana Marta Pinheiro (História), Uma Contribuição para o Conhecimento Histórico e Geográfico de África, p. 125.

06 agosto 2012

Salman Rushdie | Nasci na cidade de Bombaim…


«Era uma vez uma mãe que para ser mãe tinha aceitado mudar de nome; que aceitara a tarefa de amar o marido fragmento a fragmento, mas que nunca foi capaz de amar uma parte, curiosamente aquela parte que tornou possível a sua maternidade; que coxeava por causa dos calos dos pés e que carregava dolorosamente aos ombros o peso dos pecados do mundo; cujo órgão pouco amado do marido nunca recuperou das consequências dum congelamento; e que, tal como o marido, acabou por sucumbir aos mistérios do telefone, gastando longos minutos a ouvir os que se enganavam no número … 
Os sofrimentos que se passam em nome da virtude! As pancadas e os rombos que se apanham! Respirar, com os dentes cerrados, a atmosfera da mala e o cheiro da borracha! E o medo constante de se poder ser descoberto … »

in: Os Filhos da Meia Noite, de Salman Rushdie, Publicações Dom Quixote, p. 203

Orelha | Anish Kapoor



O simbolismo mais importante da orelha é aquele que se relaciona com o mito de Vaishvanara como Inteligência Cósmica: as orelhas correspondem às direcções do espaço, o que é muito interessante, se nos lembrarmos do papel que a ciência contemporânea atribui aos canais semicirculares.
Em África, a orelha simboliza sempre a animalidade. Para os Dogons e Bambaras do Mali, a orelha é um duplo símbolo sexual: sendo o pavilhão o pénis, e o conduto auditivo, uma vagina. O que se explica pela analogia entre a palavra e o esperma, ambos homólogos da água fecundante, concebida pela divindade suprema. A palavra do homem, dizem os Dogons, é tão indispensável à fecundação da mulher como o seu líquido seminal. A palavra masculina desce pela orelha, tal como o esperma desce pela vagina, para se enrolar em espiral em torno do útero e fecundá-lo.

in: Dicionário dos Símbolos, de Jean Chevalier & Alain Gheerbrant
[A Fotografia é de Ana Paula Gaspar, a obra de arte é de Anish Kapoor, artista indiano, a peça encontra-se no Centro Cultural de Belém, em Lisboa]

02 agosto 2012

Deepak Chopra | 7 Leis Espirituais

I | A Lei da Potencialidade Pura
O nosso verdadeiro Eu é potencialidade pura, aliamo-nos ao poder que manifesta tudo no Universo.

II | A Lei da Dádiva
O Universo opera através da troca dinâmica … dar e receber constituem diferentes aspectos do fluxo de energia do Universo.

III | A Lei do Karma ou da Causa - Efeito
Toda a acção gera uma força de energia que nos é devolvida na mesma espécie … aquilo que semeamos é aquilo que colhemos.

IV | A Lei do menor esforço
A inteligência da natureza funciona com um mínimo de esforço … com despreocupação, harmonia e Amor.

V | A Lei da intenção e do Desejo
Todas as intenções e desejos contêm a sua própria possibilidade de realização. A intenção e o desejo possuem um poder organizador infinito.

VI | A Lei do Desprendimento
A libertação do passado, do conhecido, da prisão da circunstância do passado.

VII | A Lei do "Dharma" ou da Finalidade da Vida
Todas as pessoas possuem uma finalidade na vida … uma dádiva singular, ou um talento especial para oferecer aos outros.

in: As Sete Leis Espirituais do Sucesso, de Deepak Chopra, Editorial Presença

27 julho 2012

Uma Rosa Amarela no meu jardim


Sebastião da Gama | A Companheira

Não te busquei, não te pedi: vieste.
E desde que nasci houve mil coisas que a meus olhos se deram com igual simplicidade:
O Sol, a manhã de hoje, essa flor que é tão grácil que a não quero,
o milagre das fontes pelo estilo …
Vieste.
O Sol veio também, a flor, a manhã de hoje, as águas …
Alegria, mas calada alegria, mas serena,
entendimento puro, natural encontro,
natural como a chegada do Sol, da flor, das águas,
da manhã de ti, que eu não buscava nem pedira.
E o Amor? E o Amor?
E o Amor?
… : Vieste.

in: Museu Sebastião da Gama, Vila Fresca de Azeitão, (C.M. de Setúbal)

25 julho 2012

Michel Onfray | A Arqueologia do Presente


A miséria intelectual e cultural do nosso tempo exibe-se também em diversas propostas estéticas contemporâneas. Se queremos defender a arte contemporânea, devemos evitar celebrá-la em bloco, sendo necessário, para isso, a paciente operação de uma inventariação: separar a positividade magnífica da negatividade residual. Defender a força activa e recusar a força reactiva.
Ao estilo da medicina forense.

in: A Potência de Existir, de Michel Onfray, Campo da Comunicação, p. 147.