«Era muito mais agradável em casa, quando não estava sempre a crescer e a encolher, nem a receber ordens de ratos e de coelhos» pensou a pobre Alice. «Quase me arrependo de ter descido pela toca do coelho… E, no entanto… no entanto… Este género de vida é muito interessante! O que me terá acontecido? Era isso que gostava de saber! Dantes, quando lia contos de fadas, julgava que aquelas histórias não aconteciam, e agora estou no meio de uma! Deviam escrever um livro acerca de mim - ah, isso é que deviam! Quando eu for grande hei-de escrevê-lo.» (…)
- Lamento não ser capaz de lhe explicar melhor - retorquiu Alice, com toda a delicadeza. - Para começar, porque nem eu entendo. E depois, porque é muito confuso ter vários tamanhos diferentes num só dia. (…)
- Mas oito centímetros é uma altura excelente! - ripostou a Lagarta, levantando-se (media exatamente sete centímetros e sessenta e dois milímetros).
- Mas eu não estou habituada - defendeu-se a pobre Alice, numa voz chorosa. E para consigo: «Quem me dera que estes bichos não se ofendessem tão facilmente!» (…)
- Que género de pessoas moram aqui?
- Naquela direção - disse o Gato, acenando a pata direita - vive o Chapeleiro. E naquela direção (acenou a outra pata) vive a Lebre de Março. Podes visitar quem tu quiseres: são ambos malucos.
- Mas eu não quero estar no meio de malucos - observou a Alice.
- Oh, não podes evitá-lo. Aqui, somos todos malucos. Eu sou maluco. Tu és maluca.
- Como é que sabes que eu sou maluca?
- Deves ser, ou não terias chegado até aqui. (…)
- Se conhecesses o Tempo tão bem como eu, não falarias assim - disse o Chapeleiro. - O Tempo é um senhor. (…) Ele não suporta que o marquem. Mas, se o tivesses tratado como deve ser, ele faria com o relógio quase tudo o que quisesses. (…)
- Bom, eu não tinha completado o primeiro verso - continuou o Chapeleiro - quando a Rainha deu um salto e berrou: «Ele está a matar o tempo! Cortem-lhe a cabeça!»
- Que crueldade horrorosa! exclamou Alice.
- E desde aí, o relógio deixou de fazer o que lhe peço - concluiu o Chapeleiro, com tristeza. - Agora são sempre seis da tarde. (…)
- Juro que nunca mais hei-de voltar ali! - exclamou Alice, enquanto caminhava em direção à floresta. (…) Ainda mal acabara de dizer isso quando notou que uma das árvores tinha uma porta por onde se podia entrar. «Muito interessante», pensou. «Mas hoje é tudo interessante. Acho que vou já entrar.» E assim foi. (…) Então, atravessou aquela passagem estreita e viu-se, finalmente, no lindo jardim de flores viçosas e fontes refrescantes. (…)
Havia uma grande roseira à entrada do Jardim. Dava rosas brancas, mas três jardineiros estavam muito atarefados a pintá-las de vermelho. (…)
Alice nunca vira um campo como aquele, todo aos altos e baixos. As bolas eram porco-espinhos vivos, os maços eram flamingos (também vivos) e os soldados tinham de se dobrar em semicírculo para formarem os arcos, apoiados nos pés e nas mãos.
- Assim é - concordou a Duquesa. - E a moral que devemos retirar daí é: «Oh, é o amor! É o amor que faz girar o mundo!» (…)
E a moral disso é: «Olha pelo significado, que o significado olha por si.» (…)
in: Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, Editora Fábula, Lisboa, 2022