Aguarelas Finas, Le Corbusier | Maison La Roche, Paris

28 julho 2023

A Potência de Existir | Michel Onfray

Aos catorze anos de idade já tinha mil anos, e a eternidade ficara atrás de mim…

Na vida de um filósofo, o corpo desempenha um papel essencial. Encontramos tudo sobre este tema no prefácio de A Gaia Ciência, escrito por um Nietzsche que sabe do que está falando, ele que não conhecia mais do que enxaquecas, náuseas, vómitos e toda uma série de outras doenças. (…)

O pensamento não cai do céu, ao estilo do Espírito Santo, lançando línguas de fogo sobre os eleitos, ele surge antes a partir do corpo, desabrochando na carne e procedendo das entranhas. (…)

O corpo do filósofo tem uma natureza singular, hiperestésico, em carne viva, simultaneamente frágil e forte, poderoso e delicado, com uma mecânica cuja precisão é capaz de desempenhos sublimes, mas, em virtude da sua precisão, uma mecânica sujeita aos mais ínfimos desregramentos. Corpo de artista, corpo esplêndido destinado ao conhecimento pelos abismos, segundo a feliz expressão de Michaux. (…)

Nunca como hoje foi tão urgente uma filosofia do corpo existencial. 

O prazer paralisa: a palavra, os factos, a realidade, o discurso que se faz sobre ele. O prazer paralisa ou enerva. Demasiados projectos pessoais frustrados, demasiadas intimidades alienadas, sofredoras, míseras e miseráveis, demasiadas fraquezas ocultas, dissimuladas, demasiadas dificuldades para ser, para viver, para ter prazer. É daí que decorre a rejeição da palavra: crítica malévola, agressiva, de má-fé; ou pura e simples evitação. Desconsideração, descrédito, desprezo, desdém, todos os meios são bons, desde que o assunto seja evitado. (…)

Cada um segue sendo, neste sentido, parcialmente responsável pelo seu ser e pelo seu futuro.


in: A Potência de Existir, de Michel Onfray, Editora Campo da Comunicação, Lisboa, 2009