Aguarelas Finas, Le Corbusier | Maison La Roche, Paris

30 dezembro 2022

Galileu e a Busca da Verdade | Mario Livio

 Einstein acrescentou que a «descoberta e utilização por Galileu do raciocínio científico» foi uma das realizações mais importantes da história do pensamento humano.»

Galileu deve, sem dúvida, grande parte da sua reputação de erudito às suas espectaculares descobertas com o telescópio e à divulgação extremamente eficaz dos seus achados. Apontando este novo dispositivo aos céus, em lugar de observar caravelas ou vizinhos, conseguiu revelar maravilhas, como as montanhas na superfície lunar, a existência de quatro satélites em órbita em torno de Júpiter, a série de fases de Vénus em mutação, à semelhança da lua, e a composição da via láctea de um vasto número de estrelas. (…)

E, se ter tornado o eterno símbolo da imaginação e da coragem científica. 

Teve ainda a clarividência de afirmar veementemente que o caminho para a verdade científica se forja com a experimentação paciente, a qual conduz a leis matemáticas que tecem uma tapeçaria harmoniosa todos os factos observados. Neste sentido, pode ser definitivamente considerado um dos inventores do que hoje designamos como o método científico: uma sequência de etapas que, idealmente (se bem que raramente, na realidade), têm de ser seguidas para desenvolver nova teoria ou para adquirir conhecimentos mais avançados. (…)

Galileu nasceu em 1564, alguns dias antes da morte do grande artista Miguel Ângelo (e também no mesmo ano que deu ao mundo o dramaturgo William Shakespear). Morreu em 1642, quase um ano antes do nascimento de Newton. (…)

Sob muitos aspectos, Galileu foi o exemplo de um produto do Renascimento tardio. (…) «Ele elogiou o que de positivo fora escrito na filosofia e geometria, a fim de elucidar e despertar a mente para a sua própria ordem de raciocínio e, porventura, para um plano mais elevado, mas disse que a principal entrada para o riquíssimo tesouro da filosofia material se realizava através da observação e da experiência, as quais, interpretadas pelos sentidos, eram capazes de alcançar os intelectos mais nobres e inquisitivos.» (…)

O ano de 1543, em particular, assistiu à publicação, não de um mas de dois livros, que estariam prestes a transformar as perspectivas da humanidade a respeito do microcosmos e do macrocosmos. Nicolau de Copérnico publicou Das Revoluções das Esferas Celestes, que propunha retirar à Terra a sua posição central no sistema solar, e o anatomista flamengo Andreas Vesalius publicou Da Organização do Corpo Humano, em que apresentava um novo entendimento da anatomia humana. Ambos os livros contrariavam as convicções prevalecentes que dominavam o pensamento desde a Antiguidade. (…)

Galileu realizou inúmeras descobertas, mas em quatro domínios revolucionou completamente a área: a Astronomia e a Astrofísica, as leis do movimento e da mecânica: a extraordinária relação entre a Matemática e a realidade física e a ciência experimental. Em grande medida graças à sua incomparável intuição e, em parte, à sua formação em chiaroscuro, a arte de representar três dimensões em duas através da utilização inteligente da luz e da sombra, conseguiu transformar em conclusões intelectuais sobre o firmamento o que, de outro modo, teriam sido simples experiências visuais. (…)


in: Galileu e a busca da verdade, o homem que arriscou a carreira e a vida pela defesa da ciência, de Mario Livio, Edição Marcador, Lisboa, 2021

10 dezembro 2022

Discurso do Método | Descartes

 Mas, quando se gasta muito tempo a viajar, tornamo-nos estrangeiros no nosso próprio país, e quando se é muito curioso das coisas que praticavam nos séculos passados tornado-nos ignorantes das que se fazem na nossa época. (…)

Foi por isso que, logo que a idade me permitiu libertar-me da obediência aos meus preceptores, terminei definitivamente o estudo das letras e, tendo-me resolvido a não procurar outra ciência além da que se encontrava em mim mesmo, ou no grande livro do mundo, empreguei o resto da juventude a viajar. (…) E eu tinha um desejo enorme de distinguir o verdadeiro do falso, para ver claro nas minhas ações e caminhar nesta vida com segurança. (…)

Então, depois de ter passado alguns anos a estudar, deste modo, no livro do mundo, e a procurar adquirir alguma experiência, tomei um dia a resolução de estudar também em mim próprio e de empregar toda a energia do meu espírito na escolha dos caminhos que deveria seguir. O que deu resultados muito melhores, parece-me do que se nunca me tivesse afastado do meu país ou dos meus livros. (…)

Nessa ocasião, encontrava-me na Alemanha, onde me tinha chamado o ensejo das guerras que ainda não findaram e, quando regressava da coroação do Imperador para o exército, o início do inverno fez-me estabelecer morada num bairro onde, não encontrando qualquer conversação que me agradasse, e, não tendo, além disso, felizmente, nem preocupação nem paixões que me perturbassem, passava todo o dia fechado num quarto com aquecimento, onde tinha ocasião e ócio para me entreter com os meus pensamentos. (…)

Mas, em breve dei conta de que, embora desejasse pensar que tudo era falso, eu, que assim pensava, devia representar alguma coisa e, notando que esta verdade «Eu Penso, Logo Sou» - era tão firme e tão segura que todas as mais extravagantes suposições dos cépticos não seriam capazes de a abalar, admiti que podia tomá-la sem sombra de escrúpulo, como primeiro princípio da filosofia que procurava. (…)


in: Discurso do Método, de Descartes, Guimarães Editores, Lisboa, 1997