O conhecimento é a base para a vida autêntica, a vida examinada que vale a pena viver, acima do senso comum e das tradições não examinadas.
Se há uma erótica socrática, este livro insinua-a é uma erótica do conhecimento, um conhecimento que funda o valor do indivíduo, protegendo a sua vida - ou o que hoje chamaríamos os seus direitos - ao conceder-lhe a possibilidade de pensar e verificar a verdade por si mesmo, nessa liberdade se sustentando, depois, a amizade aos outros, o amor, o bem estar, o deleite físico e espiritual, em suma, a felicidade.
Há uma erótica socrática, a do seu ferocíssimo individualismo. Em nome da verdade, a livre expressão autoriza a cada indivíduo a faculdade de perguntar. (…)
E a felicidade requer que nos examinemos moralmente. (…) Como é que se pensa? Fazendo perguntas. (…)
Cada um de nós, homens, é o mais sábio de todos se, como Sócrates, se reconhecer que, na verdade, não tem valor nenhum o que julga ser o seu saber. (…)
Por consequência, os que são examinados por eles enfurecem-se comigo, em vez de se zangarem com eles, vindo dizer que Sócrates é um ignóbil que corrompe a juventude. (…)
Tenho o maior respeito e amor por vós, homens de Atenas, mas terei de obedecer ao deus e não a vós, e enquanto respirar e tiver forças não deixarei de filosofar. (…)
Não é do dinheiro que vem a virtude, é da virtude que vem o dinheiro e todas as outras coisas, para bem dos homens. (…)
Não vos enfureceis comigo por vos dizer mais uma verdade: não há ninguém no mundo que sobreviva, se genuinamente se vos opuser; a vós ou a outra maioria popular … Todo aquele que queira, na verdade, lutar pela justiça deve viver como um cidadão privado e não como uma figura pública, se deseja preservar a própria vida por algum tempo. (…)
Nunca fui mestre de ninguém; (…) O que lhes agrada é testemunhar a forma como examino homens que pensam ser sábios quando não o são. (…)
E, ainda melhor, continuaria o meu exame do verdadeiro e falso conhecimento, descobrindo lá quem é sábio, e quem finge ser sábio e não o é. (…)
Portanto, juizes, encarai a morte com esperança, e meditai nesta verdade - nenhum mal pode acontecer a um homem bom, nem na vida nem na morte.
in: Apologia de Sócrates, de Platão, Guerra e Paz Editores, Lisboa, 2020