Aguarelas Finas, Le Corbusier | Maison La Roche, Paris

24 outubro 2021

Azul | História de uma Cor

 

O Sol | Ponto de Partida 

Os romanos, como antes deles os Gregos, conhecem o índigo asiático. Distinguem-no nitidamente do pastel-dos-tintureiros dos Celtas e dos Germanos e sabem que é uma tintura potente que vem das Índias, daí o seu nome em latim: indicum. Mas desconhecem a natureza vegetal desse produto e crêem tratar-se de uma pedra, porque o índigo chega do Oriente sob a forma de blocos compactos, resultantes do esmagamento das folhas, prensadas até se formar uma pasta que depois se pôs a secar. Pensam, por isso, que se trata de um mineral; alguns autores, seguindo Dioscórides, consideram-no até uma pedra semipreciosa, próxima do lápis-lazúli. Esta crença na natureza mineral do índigo perdurará na Europa até ao século XVI. (…)

A nova moda dos tons azuis a partir do século XIII é favorecida pelos progressos das tinturas e pelo desenvolvimento da cultura do pastel-dos-tintureiros, uma planta crucífera que cresce espontaneamente em solos argilosos em muitas regiões da Europa. O princípio corante, a indigotina, encontra-se essencialmente nas suas folhas. Desde cerca de 1230 que, tal como a garança, é objeto de uma verdadeira cultura industrial destinada a satisfazer a crescente procura por parte de fabricantes de tecidos e tintureiros. As operações necessárias para se obter o corante azul são longas e complexas. Uma vez colhidas, as folhas são moídas numa atafona até se conseguir uma pasta homogénea que é deixada a fermentar durante duas ou três semanas. Em seguida, com essa pasta - o célebre pastel - formam-se umas bolas ou «pães», de cerca de quinze centímetros de diâmetro, que ficam a secar sobre crivos, ao abrigo das intempéries. Ao cabo de algumas semanas, são por fim vendidas ao comerciante de pastel: é ele quem se encarrega de transformar essas bolas em tintura. Trabalho lento, delicado, sujador, nauseabundo, que requer uma mão-de-obra especializada - e por isso o pastel é um produto tão caro, apesar de o pastel-dos-tintureiros crescer facilmente em variadíssimos solos e de, para tingir, não ser preciso (ou quase não ser preciso) mordaçar, ao contrário do que sucede com as tinturas em vermelho. (…)

A nova moda dos azuis contribui para a fortuna dos tintureiros especializados nessa cor; pouco a pouco tomam a liderança da profissão, passando a ocupar o lugar até então detido pelos poderosos tintureiros de vermelho. (…)

O século XVII é de facto o grande século das investigações sobre a Natureza e a medida da luz. Desde 1666 que, a partir das célebres experiências do prisma, Isaac Newton decompõe a luz branca em raios de cor e descobre o espectro, uma nova ordem das cores no seio da qual o preto e o branco deixam de ter o seu lugar; a ciência vem assim confirmar o que a moral e a sociedade há muito praticam: a exclusão do preto e do branco do universo das cores. Uma ordem em que a posição central também já não é ocupada pelo vermelho, como nos sistemas antigos e medievais, mas sim pelo azul e pelo verde. Além disso, Newton mostra que a cor, que tem a sua origem na transmissão e na dispersão da luz, pode, tal como esta, medir-se. A partir de então a colorimetria invade as artes e as ciências. (…)

 in: Azul, História de uma Cor, de Michel Pastoureau, Orfeu Negro, Lisboa, 2016

Obra de Arte: O Sol | Ponto de Partida, de Ana Gaspar, Ecoline sobre papel Fabriano, 2019/2020