Aguarelas Finas, Le Corbusier | Maison La Roche, Paris

10 abril 2020

Da Velhice | Cícero

Por conseguinte, se é hábito vosso admirar a minha sabedoria- que oxalá seja digna da nossa estima e do nosso cognome - nós, que seguimos a natureza, o melhor dos guias, e a ela obedecemos como a um deus, somos realmente sábios.
Os velhos que foram com efeito moderados, sem nunca terem sido difíceis ou desumanos, têm uma velhice que pode ser tolerada; por outro lado, a má índole e a desumanidade são dolorosas para qualquer idade.
(…)
O mesmo pode dizer-se da velhice: na verdade, nem pode a velhice ser agradável para o sábio no meio da maior indigência, nem para o ignorante, ainda que rodeado da maior riqueza. (…) Quando já se viveu o bastante, produzem frutos extraordinários, porque não só nunca nos abandonam, e muito menos no final da vida …
Górgias de Leontinos, chegou até aos cento e sete e nem uma só vez abandonou a leitura e o estudo, o qual, como lhe tivessem perguntado porque razão amava tanto a vida, respondeu: "nada vejo que me leve a acusar a velhice" - resposta brilhante, digna de um homem esclarecido. (…) Os insensatos, com efeito, atribuem à velhice os seus próprios defeitos e a sua própria culpa.
(…)
Como é evidente a temeridade é própria da idade que floresce, enquanto a prudência, da que envelhece. (…) Mas a memória enfraquece - assim creio, se não a exercitares ou se fores naturalmente lento de raciocínio.
Sófocles escreveu tragédias até uma idade muito avançada …
Assim como admiramos um jovem em que existe algo de velho, da mesma maneira o fazemos com um velho no qual persiste algo de jovem. Quem adoptar tal postura, poderá envelhecer de corpo, mas, nunca de espírito.
Estou profundamente grato à velhice por ter aumentado em mim o desejo de conversar afastando-me do apetite pela bebida e pela comida.
(…)
Os cabelos brancos não ganham prestígio de repente, nem tão pouco as rugas; mas, uma vida honesta e sabiamente gerida colhe sempre do prestígio os melhores frutos.
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Como na vida, assim no Teatro podemos bem entender a cena entre os dois irmãos em Os Irmãos: a rudeza de um perante a doçura de outro! E de facto assim é: como acontece com o vinho, do mesmo modo nem toda a Natureza se azeda devido à velhice.
Na verdade, encontra-se nos velhos o pensamento, a sensatez e a sabedoria, sem os quais os estados não poderiam absolutamente existir.
(…)
Como já disse tanta vez, a memória e a abundância de bens adquiridos são os frutos da velhice. Tudo o que é, com efeito, conforme com a natureza deve ser tido como bom. Que existe de mais conforme à natureza se não for a morte dos velhos? Quando a mesma ceifa a vida dos jovens, a natureza opõe-se e tenta resistir. (…) Os frutos das árvores se ainda não amadureceram, têm de ser arrancados com força, mas se já estão maduros ou ressequidos pelo sol, caem naturalmente- assim é a vida arrancada aos jovens à força, e aos velhos, colhida naturalmente.
A velhice não é apenas doce, como ainda não causa sofrimento, além de ser também jovial. (…) É, porém, ao homem possível extinguir-se no momento oportuno: a natureza, como acontece todas as outras coisas, sabe quanto devemos viver.

in: Catão-O-Velho ou Da Velhice, de Marco Túlio Cícero, Biblioteca Editores Independentes, 2009