Aguarelas Finas, Le Corbusier | Maison La Roche, Paris

20 novembro 2013

A Química do Sentimento | As Drogas da Felicidade


É bem sabido que certos medicamentos psicotrópicos transformam os sentimentos de tristeza ou de incapacidade em sentimentos de contentamento e segurança. Muito antes da fase Prozac da nossa vida cultural, sabia-se que o álcool, os narcóticos, os analgésicos e hormonas, tais como os estrogéneos e a testosterona, alteravam, sem qualquer dúvida, os sentimentos. Está bem de ver que a acção dessas substâncias é devida à estrutura das suas moléculas. Mas como é que essas moléculas produzem os seus notáveis efeitos?
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As drogas da felicidade
As frases dos toxicómanos contêm referências frequentes às alterações do corpo que acontecem durante os highs da droga e constituem mais uma linha de evidência no que diz respeito à relação entre corpo e sentimento. Algumas declarações: "O meu corpo estava cheio de energia e ao mesmo tempo relaxado", É como se todas as células e ossos do meu corpo estivessem a dançar deliciosamente", "É como se tivesse tido um orgasmo no corpo inteiro".
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Todas estas declarações descrevem alterações no corpo - relaxamento, calor, anestesia, analgesia, libertação orgástica, energia. (…) Todas estas sensações são geralmente acompanhadas por uma colecção de pensamentos bem sintonizados com a natureza das sensações - pensamentos que se referem a acontecimentos positivos, a uma capacidade aumentada de «compreensão», a um aumento do poder físico e intelectual, a um remover de limites e preocupações. Curiosamente, as drogas que levaram a estas declarações são diferentes. (…)
Por exemplo, a cocaína e a anfetamina actuam através da dopamina. Mas a variante de anfetamina que está na moda, o ecstasy, uma molécula de nome complicado conhecida pelas iniciais MDMA actua através da serotonina. (…)
A distribuição anatómica dos receptores em que estas diferentes substâncias actuam é extremamente variada e diferente para cada uma das drogas. E, no entanto, os sentimentos que as várias drogas produzem são semelhantes.
Dado que todos os sentimentos contêm como ingrediente fundamental um componente de dor ou de prazer, e dado que as imagens mentais a que chamamos sentimentos têm origem em mapeamentos do estado do corpo, é legítimo propor que a dor e as suas variantes correspondam a uma certa configuração dos mapas do estado do corpo.
Do mesmo modo, o prazer e as suas variantes são o resultado de um certo mapeamento do corpo. Sentir dor ou sentir prazer resulta da presença de uma certa imagem do corpo tal como é representada, em certo momento, em mapas do corpo. A morfina ou a aspirina podem alterar essa imagem. O uísque ou o ecstasy também. E os anestéticos. E certas formas de meditação. E o desespero. E a esperança.

in: Ao Encontro de Espinosa, as Emoções Sociais e a Neurologia do Sentir, de António Damásio, pp. 133 a 138.