Certa manhã, ao acordar após sonhos agitados, Gregor Samsa viu-se na sua cama, metamorfoseado num monstruoso insecto. Estava deitado de costas, umas costas tão duras como uma carapaça, e, ao levantar um pouco a cabeça, viu o seu ventre acastanhado, inchado e arredondado em anéis rígidos, sobre o qual o cobertor, quase a escorregar, dificilmente se mantinha. As suas numerosas patas, lamentavelmente raquíticas, comparadas com a sua corpulência, remexiam-se desesperadamente diante dos seus olhos. «O que me aconteceu?», pensou. Mas não era um sonho. O seu quarto, um verdadeiro quarto humano, apenas um pouco acanhado, ali estava, tranquilo, entre as quatro paredes que ele bem conhecia. (…)
Gregor - disse uma voz, que era a da mãe - é um quarto para as sete. Não tinhas de apanhar o comboio? (…) Gregor, abre a porta, anda. (…)
Era uma voz de animal. (…)
Será que isto significa que estou com menor sensibilidade? - Pensou, ao sugar avidamente o queijo (…)
Se ao menos conseguisse falar com a irmã e agradecer-lhe por tudo o que ela tinha sido obrigada a fazer por ele, estaria mais à vontade para aceitar os seus cuidados, mas nas condições em que se encontrava, isso fazia-o sofrer. (…)
Um dia - já tinha decorrido cerca de um mês desde a metamorfose de Gregor e a sua irmã já não deveria espantar-se ao vê-lo (…)
Queridos pais - disse a irmã, batendo com mão na mesa, à laia de início de conversa - isto não pode continuar assim. Talvez não estejam convencidos, mas eu sim. Não quero, em frente deste monstruoso animal, pronunciar o nome do meu irmão, unicamente afirmo: devemos desembaraçar-nos dele. Tentámos de tudo o que era humanamente possível para tomar conta dele e suportá-lo com paciência; creio que ninguém nos pode censurar seja do que for. - Ela tem toda a razão - disse o pai para si mesmo. A mãe, que não conseguia retomar uma respiração normal, levou a mão à boca e, revirando os olhos, tossiu surdamente. (…)
Mas Gregor, de modo algum, pensava em meter medo a quem quer que fosse, sobretudo à sua irmã. (…)
«E Agora?», perguntou para si mesmo Gregor, olhando em volta, na obscuridade. Bem depressa descobriu que não conseguia mover-se. Não ficou surpreendido com isso; ter conseguido até agora deslocar-se com aquelas patinhas raquíticas, isso é que era pouco natural. Entretanto, sentia um aparente bem estar, apesar de sentir dores um pouco por todo o corpo, mas tinha a impressão de que se tornaram gradualmente mais fracas e que acabariam por desaparecer. A maçã podre cravada no seu dorso e a parte inflamada à sua volta, sob uma camada de pó pegajosa, já não se faziam sentir. Voltou a pensar na sua família com ternura e amor. A ideia de que ele deveria desaparecer era mais firme nele, possivelmente, do que na sua irmã. Permaneceu naquele estado de sonho vago e apaziguador até ao momento em que as três horas da madrugada soaram no relógio. Ainda viu a claridade que alastrava diante da sua janela, lá fora. Depois, finalmente, sem nada poder fazer, a cabeça descaiu e deixou escapar debilmente um último sopro de vida. (…)
in: A Metamorfose, de Franz Kafka, Ed. Leya, Portugal, 2013